Poder e Manipulação, de Jacob Petry

Na capa deste livro, há o seguinte enunciado: "Como entender o mundo em 20 lições extraídas de O Príncipe, de Maquiavel". Lembro que, quando comprei Poder e Manipulação, estava imersa na obra de Maquiavel e o adquiri como forma de complementação e elucidação desta  .
Costumo dizer que não há como entender sobre o "jogo" político moderno, sem antes ter estudado "O Príncipe", livro incansavelmente lido por Napoleão Bonaparte e Churchill.
Portanto, se você quer tornar-se político, manter-se no poder ou entender as estratégias daqueles que nos governam, trate logo de dissecar essa incrível obra.
Jean-Jacques Rousseau escreveu sobre O Príncipe: "Maquiavel, fingindo dar lições aos príncipes, deu grandes lições ao povo."
Como eu interpreto essa frase de Rousseau?
Maquiavel passou quinze anos de sua vida estudando as formas de conquista e de manutenção no poder e, por consequência, escreveu "O Príncipe", presenteando-o ao Magnífico Lourenço de Médicis, como prova de sua admiração e, também, como meio de propiciar a esta autoridade, em tempo muito curto, o aprendizado de tudo quanto, em muitos anos e à custa de tantos atropelos e perigos, conseguiu aprender.
Mas, as lições de Maquiavel são "uma faca de dois gumes", pois ao mesmo tempo em que ensina ao Príncipe as manhas e artimanhas para alcançar e se firmar no poder, ensina também ao povo aquilo que os governantes fazem para enganá-lo e conquistá-lo. Por isso, dá grandes lições ao povo que, ao ler e entender essa obra, não mais deixará enganar-se tão facilmente.
É preciso lembrar que o desejo pela conquista de poder é algo natural e comum do ser humano. Para conseguir chegar ao fim da obra "Poder e Manipulação", é preciso estar livre de todo moralismo, pensamento ético, noção de certo e errado, justo e injusto. O livro não dispõe das coisas como elas deveriam ser, mas tão somente de como elas são. E a realidade, meus leitores, é dura demais e, por isso, tão amplamente maquiada e fantasiada.
Entretanto, escrevo a realidade. Escrevo sob a crença de que o faço para um público seleto, flexível, inteligente e crítico. Escrevo para os que estão cansados de ser enganados por tantos maquiavélicos que existem por aí. Conquanto, escrevo sem ressalvas ou reservas.
Costumamos usar o termo maquiavélico para designar aquele que é manipulador e enganador, como se Maquiavel fosse o precursor da manipulação. Como se ele nos houvesse oferecido, pela primeira vez, por meio de sua obra, os ensinamentos para o engano e a mentira. Entretanto, sou contra essa conotação da palavra. Maquiavel, em momento algum, nos manipula, apenas nos mostra o que e como fazem os que nos querem manipulados. E, por isso, falar em maquiavelismo para mim, representa mais a transparência e a elucidação que o engano ou manipulação. Ando, pois, na mesma mão que o maquiavelismo ao escrever esse texto.
É preciso debruçar sobre as coisas como elas realmente são. "Existe uma distância tão grande entre como se age e como se deveria agir, que aquele que se apega ao que deveria ser feito em vez do que ao que se faz, encontrará antes sua ruína do que a sua salvação. E alguém que quiser praticar a bondade em tudo o que faz está fadado a arruinar-se, entre tantos que são perversos e maus".
Consequentemente, nem sempre somos apresentados às pessoas como elas são, mas apenas ao que elas parecem ser.
E por que precisamos compreender as coisas e pessoas de forma nua e crua?  Porque "quanto maior for nossa compreensão das coisas, menos fracassos, frustrações e desapontamentos teremos".
A habilidade de ver as coisas como elas realmente são significa que devemos analisá-las isentos de paixões ou julgamentos. "Em vez de olhar para as coisas a sua volta como boas ou ruins, desenvolva o hábito de olhá-las como eventos, circunstâncias, causas e consequências".
Para isso, é necessário desenvolver a flexibilidade e a maleabilidade, não se apegar à fórmulas fixas, rígidas e desgastadas, adaptar-se ao contexto, sem abrir mão de sua essência.
"Uma pessoa flexível e maleável, embora muitas vezes seja criticada por isso, terá enormes chances não só de chegar ao poder, mas de se manter nele, porque ao se adaptar às circunstâncias ela se reinventa sem cessar."
Agora entendemos por que os políticos mudam de partido com tanta facilidade, fazem alianças com adversários, mudam de opinião, de crenças e de ideologias. Conseguimos entender por que mesmo sendo opostos em determinado contexto político eles acabam se unindo para enfrentarem um próximo contexto. Porque sem flexibilidade e maleabilidade, meus amigos, a pessoa pode até conquistar o poder, mas manter-se nele será quase impossível.
"Se você deseja seguir em frente, é importante que não esteja preso." Já percebeu que um político não se prende nem mesmo às suas próprias palavras e promessas?
"Grandes líderes que se perpetuaram no mundo da política, dos negócios, dos esportes, das artes e da cultura se destacaram não por possuírem mais talento, sorte ou conhecimento que seus pares, mas porque foram capazes de se adaptar com enorme facilidade às mudanças de contexto."
Alguns podem imaginar que a conquista do poder depende da sorte. Não podemos negar que, em algumas situações, ela parece mesmo estar presente. Ainda assim, restaria uma parte que dependeria de nós. A sorte poderia ser, por exemplo, a pessoa estar no lugar certo e no momento certo e saber usufruir desse momento, ou melhor, agarrar essa oportunidade.
Manter-se no poder pressupõe que o seu ocupante tenha algum prestígio. "Nada confere maior prestígio do que realizar grandes obras e servir, ele próprio, como raro modelo para seu povo". Ou seja, nada melhor que o exemplo. Aquele que pretende alcançar o poder deve demonstrar que há algo nele diferente dos demais, que há algo nele que se sobrepõe à massa.
"As pessoas têm uma necessidade extraordinária de acreditar em algo maior do que elas mesmas. A maioria anda aflita à procura de algo que possa usar para preencher o vazio e a insignificância de sua existência. Elas se rendem a qualquer coisa que as façam se sentir importantes, dignas e maiores do que são. Essa necessidade as torna tremendamente suscetíveis a todo tipo de influência e manipulação. Qualquer charlatão que aparecer com uma promessa de salvação para a aparente falta de sentido da vida terá sua boa vontade e colaboração. Profissionais bem preparados sabem dessa nossa deficiência e não têm piedade nem limites para explorá-la. Sobre ela, constroem fortunas e impérios nos quais, depois, quase sempre nos aprisionam e escravizam. Seja na política, religião, esportes, artes, moda ou entretenimento a estratégia do manipulador é sempre a mesma: criar uma espécie de culto em torno de uma causa aparentemente nobre e se colocar no centro, como profeta e precursor da transformação que, em geral, converte um aparente mal num bem."
Repare que quando há uma instabilidade econômica, política ou social no país, o povo se sente extremamente perdido e qualquer pessoa que se apresenta como provido de honestidade, coragem e retidão, logo atrai a atenção daqueles que sabem-se impotentes para mudar algum quadro que impera. O mesmo ocorre num universo menor, como quando uma pessoa está emocionalmente abalada em contextos como o amoroso, o profissional ou o espiritual e aparece charlatães de todo tipo com promessas de cura, libertação e salvação, fazendo com que milhares sejam diariamente manipulados e enganados. Tudo que se mostra fácil para resolver questões difíceis agrada a maioria das pessoas que desejam a resolução de todos os problemas num passe de mágica.
Jânio quadros usava uma vassoura como símbolo de campanha eleitoral, sob o argumento de que varreria toda a corrupção. Juscelino Kubitschek utilizou o slogan "50 anos em 5" para fazer os eleitores acreditarem que o país daria um salto imenso na economia; Fernando Collor era conhecido como o "Caçador de Marajás"; e Lula criou o "Fome Zero". Vejam que são propostas muito sedutoras de acabar com problemas estruturais de modo rápido e fácil.
Apesar dessas promessas altamente atraentes, a corrupção cresce cada vez mais no Brasil; o país não está entre as maiores potências econômicas; os marajás estão cada vez mais ricos e a fome ainda maltrata a muitos.
Ocorre que aquele que deseja o poder precisa, antes de tudo, usar o seu poder de sedução. E, por querermos coisas fáceis, nos são apresentadas essas facilidades para nos enganar. E, convenhamos, caímos feito bobos nessas conversinhas fiadas.
Jacob Petry assim analisa: "As pessoas, em geral, são preguiçosas e avarentas. Elas querem as coisas, mas não desejam pagar o preço para obter aquilo que desejam. Por isso, aceitam de bom grado qualquer esmola que cair em suas mãos. Mal sabem elas que não existe tal coisa como "algo" por "nada". Tudo tem um preço. E ao aceitar algo que lhes é oferecido sem que seja exigido algo em troca, quase sempre elas estão abrindo mão do seu bem mais precioso: a liberdade."
Ele ainda alerta: "Ignore e desdenhe tudo que lhe for oferecido de graça. Se algo vale a pena, pague o preço necessário para obtê-lo. Aquilo que lhe é oferecido de graça, na verdade, não passa de uma armadilha. Tenha certeza de que, lá na frente, a cobrança virá."
A grande arma que usam contra nós é a psicológica. Afinal, tudo tem início no pensamento. Todas as estratégias daqueles que querem nos manipular se voltam para conquistar e dominar nossa mente. Portanto, precisamos desenvolver uma postura mais firme, segura e confiante diante de todas as armadilhas que nos cercam. Precisamos nos fortalecer em pensamentos, atitudes e comportamentos. Não podemos nos deixar enganar. Se é para jogar o jogo, pelo menos precisamos conhecer as regras que os rege e, sobretudo, não nos dispersarmos, caso contrário, seremos imobilizados.
"Essas atitudes funcionam perfeitamente porque as pessoas se distraem com coisas tão simples e se ocupam tanto com as necessidades diárias que aquele que estiver disposto a enganar encontrará sempre a quem enganar e, não raras vezes, logo em seguida, encontrará também o perdão ou o esquecimento daquele a quem enganou."
São as palavras que nos enganam. "As palavras costumam nos confundir mais do que esclarecer." Aqueles que querem chegar ou se manter no poder não dizem verdadeiramente o que pensam, mas o que o povo quer ouvir, "criando um enorme faz de conta, um teatro de aparências".
Não devemos ignorar as coisas como elas são: "a maioria dos indivíduos usa as palavras para se defender, para dissimular suas verdadeiras intenções e despistar você do que elas realmente pensam, sentem e desejam."
Também não devemos deduzir que todos têm os mesmos valores e princípios que nós ou que zelam pelas mesmas coisas que zelamos.
Por último, precisamos desenvolver o intelecto. Ler, estudar, conhecer. "Há, em verdade, três tipos de intelecto: aquele que é capaz de entender as coisas por si mesmo; aquele que é capaz de entender as coisas que os outros lhe dizem; e um terceiro que não entende as coisas por si mesmo e tampouco é capaz de entender o que os outros lhe dizem."
Eu nem precisaria dizer que os que querem nos manipular não farão esforço algum no sentido de promover aqueles que são capazes de entender as coisas por si mesmo. Por isso que governos demagogos e corruptos não investem em educação. Preferem que o povo continue cego para conduzi-lo ao seu bel-prazer. Querem a cegueira geral. Afinal: "um cego pode conduzir outro cego?"
O livro Poder e Manipulação, como eu disse no início, traz lições baseadas em "O Príncipe", com a finalidade de nos orientar a viver num mundo cheio de mentiras, enganos e manipulações. Ele busca apresentar lições práticas para conduzirmos nossa vida com perspicácia, discrição, audácia e flexibilidade em meio à complexidade do atual contexto em que estamos inseridos.
Entretanto, ao resenhá-lo, quis dar uma conotação política, assim como o fez Maquiavel em sua brilhante obra.
Precisamos nos desprover dessas defesas apaixonadas e cegas que nos levaram à polarização política, sem considerar o meio, as circunstâncias, os contextos e os verdadeiros interesses daqueles que almejam o poder.
Precisamos ter a capacidade de analisar fatos de maneira imparcial e real para não continuarmos sendo tão enganados e desrespeitados. "Esforçar-se por abrir os olhos para a realidade como ela é, desvencilhando-nos de todo apego e ilusão ingênua sobre o mundo e, acima de tudo, sobre as pessoas é o começo de qualquer transformação humana."
A verdade nua e crua pode ser desconfortável. Mas a minha proposta é: experimente sair da zona de conforto, inclusive com relação ao que pensa. Permita-se ver e entender as raízes das coisas para não se deixar levar pela visão simplista daqueles que se empenham o bastante com a finalidade única de nos manipular.







Comentários

  1. Totalmente interessada neste livro. Como bem disse: ..." experimente sair da zona de conforto, inclusive com relação ao que pensa. "

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Ana pela excelente resenha.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas