O impossível do amor

 O carro carregado e pesado de presentes e coisas, as mais variadas, que ele levava para o interior com a alegria e a despretensão dos que sabem doar verdadeiramente.

Era homem bom, calmo, manso, sereno. No olhar, a sabedoria de quem sabe; nos passos lentos, a paciência dos que não se revoltam diante do inexplicável da vida. Baixo tom da voz, fala suave, pausada - e o olhar fixo quando se punha a escutar, atento.

Por pura generosidade se autointitulou advogado da causa que começara perdida, vez que não levada a termo, pois o dever alimentício jamais fora regularizado e, temerosa de vê-lo preso, a mãe perdoava o pai da dívida e de tantas outras falhas e fraquezas. Afinal, ao provocar a prisão de um pai, seja por qual motivo, não dilacera-se os filhos?

Gostava de ir à casa da tia para ver e ouvir o Senhor Nelson. Alto, magro, esteticamente nobre. Admirava-o por sua inteligência e distinção.

Ele se punha a explicar os trâmites do processo jurídico que não se findava, convencido de que eu, criança, tinha capacidade de entender. Nessa troca, meu olhar brilhava, o dele também. Que espécie de relação existiu entre nós não sou capaz de dizer. Mas havia algo que, se não se realizou nele, restou concretizada no que veio depois.

Reconheceu na curiosidade da criança a paixão pelas letras e o interesse pelos estudos. Dizia-me ser menina de futuro. Ah se soubesse o que me tornaria mais tarde! Que futuro? O que ainda há de vir.

Sua filha doou-me as primeiras apostilas de vestibular que devorava num quarto da casa de minha avó. Imaginava que lê-las me conduziria a alguma coisa, me daria um norte ou caminho. Nem sei! Talvez o puro prazer de conhecer. Eram sementes plantadas na cabeça da que nutria sonhos de ser grande de uma grandeza que não conseguia medir, definir ou precisar. Apenas ser. Mas o quê?

Quem sabe o futuro avistado por aquele homem?! Juíza, entrevia. E mal poderia imaginar que me tornaria a pior juíza de mim mesma. Dura, rígida, inflexível com os próprios erros. Mais tarde, outro senhor me aconselharia: "Tenha paciência com os outros, porque sei que, consigo própria, não tem."

A notícia da morte me entristeceu. Não mais a espera, nem o coração em expectativa. Não mais a escuta de termos que não entendia, e achava bonitos. Não mais a presença mansa, o olhar gentil e os olhos delatores repousados em mim. Não mais a delicadeza do aperto de mão, não mais seu retorno. Não mais ele.

Tempos depois notícias de que seu filho chegaria para vender a fazenda. O alvoroço tomou conta, pois não se tinha ideia de como era em aparência. Eu gostei. Teria visto algo do pai no filho?

Quinze anos era tudo o que eu possuía. De início, não olhou para mim. Quem sabe!? Manifestou interesse numa tia que, por estar comprometida, não lhe deu esperanças.

Voltou-se para mim. "Eu já sabia que eu era inevitável", diz a mulher. E numa tarde, na calçada da casa de minha avó, pegou papel e caneta na frente dos que ali estavam e escreveu: "Você é como o Sol...". Já nem me lembro que mais dizia a carta, só o início está gravado para sempre dentro de mim. "Você é como o sol."

Convidou-me para sair à noite. Fui. Ao final de nosso encontro, quis me deixar à casa para concretizar o que de algum modo antevia: eu o queria antes e tanto mais de ele me querer.

Era o primeiro beijo. O primeiro homem. O primeiro.

No terceiro dia, despediu-se. Fiquei a lhe mandar cartas, a lhe escrever sobre o que não podia ser. Ouvia a voz ao telefone. Ansiava pela sua volta.

E foi assim que comecei a criar em menina as mais falsas ilusões para viver o impossível do amor que continua a ocupar-me toda agora.

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