O sonho
Acabara de almoçar. E, sim!, estava bem alimentada, satisfeita por ora da fome de comida. Mas eis que saio do restaurante em direção a um café localizado na mesma quadra, a alguns passos de onde estava.
Ao entrar no recinto, algo me chama a atenção de imediato e de imediato me transporta para a infância que não sai de mim. Ah, não sai, não sai. É como diz a escritora Lya Luft: "A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira." Eu acabava de pisar na minha infância com os dois pés. E, se não me apressasse a caminhar, seria capaz de nela afundar completamente, e mais uma vez.
Assim que entrei, o sonho me tomou. Eu vi o sonho à esquerda de mim. Recheado de doce de leite, recheado de goiabada. Meu Deus! Há quanto tempo não via um sonho? Nem me lembro. Ou lembro?
Era na cidadezinha do interior com suas ruas de paralelepípedos que, criança, eu saltitava até a padaria de Messias. "Vó me dá dinheiro pra eu comprar sonho!?" Ela sempre dava. Dinheiro e tudo o mais que pedia, a vó dava. Então, saía para comprar o doce sonho com a fome voraz de menina. Eu devorava o sonho e, passados alguns dias, comprava outro... e outro... Mas sem sonho a vó não me deixava ficar.
Aquele gosto de sonho bom me vem ao paladar enquanto rememoro. Nem pensei que havia acabado de almoçar. Nem me lembrei da satisfação que o alimento me dera. Virei para a garçonete e disse:
Quero sonho!
Com ânsia maior o devorava, mastigando com avidez, passando o dedo no doce de leite, levando-o à boca, eu lambia a infância, sentindo o gosto do doce e da época em que era só pedir que a vó dava dinheiro para comprar quantos sonhos quisesse.
Eu que quase nada sonho ao dormir. Ou quase não me lembro do que sonhei. Freud diz que o sonho é a realização de desejos inconscientes ou restos diurnos do que vemos, sentimos e percebemos e que ficam armazenados no pré-consciente. Quando dormimos é como se os deixássemos vir à tona, pois não empreendemos energia para reprimi-los.
Talvez se não tivesse comido o sonho naquele dia, eu comeria sonho no sonho como forma de realizar o desejo que porventura tivesse me negado.
Mas como comi o sonho, à noite, ao dormir, não sonhei.
O desejo se realizou de modo que não havia com que sonhar. Restos da infância, chão por onde piso. Sonhos sonhados, comidos, realizados.
A noite se passa dentro de um sono-morte. Uma morte que não terá de se topar com desejos que ficaram a desejar.
Eu sei. É possível que, dormindo, sonhemos muito. Mas, Paul Válery alerta, "a melhor maneira de realizar seus sonhos é acordar."
Oh,filha agora foi eu wue fiquei com vontade de comer o sonho ❤️👏🏻👏🏻😊
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