E por falar em sexo...

Sou uma mulher de muitos e, mais, gosto de variar. Mas muita calma nessa hora. Não é bem o que vocês estão pensando (embora pudesse ser). Sou uma mulher de muitos livros e gosto de variar as leituras. 

Ando mergulhada nos assuntos de Psicanálise. Há quem diga que Freud é só sexo. Em parte, uma vez que o conceito trazido por ele é mais amplo e fez surgir a Teoria da Psicosexualidade. 

Sexual é aquilo que nos move e que não só importa para o nosso desenvolvimento físico, mas também para o psíquico. O toque pode erotizar tanto quanto a imaginação e a fantasia; a palavra é sexual, o olhar e tantas outras manifestações podem conter o erótico da vida.

Não à toa fui seduzida pelo estilo da escrita do Pai da Psicanálise. Impulsionada pelo Eros me propus a ler toda a obra de Sigmund Freud, para a qual tenho destinado parte de minha libido. Considero-o um dos maiores pensadores do século XX e, não posso deixar de destacar, Freud contribuiu intimamente para que as mulheres fossem ouvidas. 

Para muitos, inclusive no meio médico, as histéricas eram mulheres dissimuladas e até mentirosas. Uma vez que os sintomas apresentados por elas escapavam à explicação da medicina, tachá-las de loucas era a melhor saída. Ante o desconhecido, ao invés de admitirem a ignorância que os impedia de desvendá-lo, restaram somente o julgamento e a condenação como respostas.

Nesse contexto, Freud propõe ouvi-las. Ninguém melhor que a doente para falar de si mesma a um ouvido que escuta, mas escuta de corpo todo e se atenta àquilo que está para além das palavras. 

E eu, enquanto escutava Freud, nesse dia em que lia "Fundamentos da Clínica Psicanalítica", aguardava ansiosamente a chegada de Sandor Ferenczi, psicanalista húngaro que desenvolveu, entre outras, uma importante teoria sobre o trauma assim como dispôs a respeito da importância de o adulto agir com ternura perante a criança. 

Há tempos nutria o desejo de estudá-lo com profundidade. Eis que me chega o box com suas obras completas e, no mesmo instante, deixo Freud de lado (um pouquinho de lado) para reencontrá-lo mais tarde, ao arbítrio do meu desejo.

Era a minha primeira vez com Ferenzci. E, na nossa primeira vez, inicio pelo primeiro texto do Volume I. E começaria por "Do alcance da ejaculação precoce?" Que título "broxante"! pensei. Mas ele em nada me decepcionou.

Nesse texto, Ferenczi fala sobre a dificuldade de as mulheres chegarem ao orgasmo em virtude da ejaculação precoce dos homens e, mais, toca em algumas feridas. Diz que a sociedade do patriarcado não permite que essas questões venham à tona. Em vez de reconhecer esse fato e admitir que muitas vezes as mulheres "fogem" do sexo porque não se sentem satisfeitas ou porque seus parceiros só se importam com o próprio prazer, difundem a ideia de que muitas mulheres não gostam de sexo. 

E aí Ferenczi afirma que é legítimo à mulher se abster do sexo, pois antes a abstinência total, menos danosa ao sistema nervoso, que a excitação não satisfeita, que, ao fim, não provoca prazer. Pelo contrário, apenas mais frustrações.

Para a Psicanálise, a satisfação sexual é fundamental para a saúde psíquica. Ferenczi diz: "(...) os impulsos libidinais do organismo, despertados e não satisfeitos, não se resolvem à força de decretos morais; na falta de ser saciado, o desejo sexual encontra sua saída em sintomas patológicos - geralmente a angústia e, nos indivíduos predispostos, neuroses (histeria, neurose de angústia)."

Esse texto não deixa de ser uma convocação aos homens à reflexão para que as relações sexuais sejam de satisfação mútua. Tanto é que ele os provoca a pensarem em como seria se, após excitados, lhes fossem impedido o gozo. Isso para que saiam do egocentrismo do próprio prazer e pensem, também, no prazer da mulher.

A sexualidade é considerada tão importante para o desenvolvimento físico e psíquico, bem como para a prevenção de doenças, que Ferenczi diz que é muito mais importante as mulheres reivindicarem escolhas sexuais que escolhas políticas. 

Com isso, não quer o psicanalista que as mulheres sejam afastadas do cenário político, econômico ou social, mas que elas possam dizer do seu desejo e da necessidade de seu corpo assim como fazem os homens. "Deve existir uma solução para administrar o interesse sexual da mulher...", diz ele.

Esse dizer não precisa ser cantado aos quatro cantos ou enunciado em voz alta, pois a nossa intimidade é matéria que pertence a nós próprias e aqueles com quem a dividimos. Creio mesmo que, sexo, quanto menos falado, e mais vivido, mais interessante se torna. O erótico da relação é que sustenta a sexualidade para além do corpo e da presença. 

E por falar em administração do interesse sexual da mulher, talvez uma das alternativas de que elas podem se valer, é da prática autoerótica, assim como fazem os homens sem o menor pudor. Ferenczi diz que em 90% dos homens  - a satisfação foi por largo tempo obtida pela via autoerótica (leia-se: masturbação). E não é incomum que eles continuem se satisfazendo dessa forma mesmo após casados.

Não surpreende que uma mulher sozinha tenha vida sexual ativa e prazerosa tanto ou mais que mulheres com parceiros. Afinal de contas, ainda que em contato com o outro, o prazer brota do nosso próprio corpo. Com a imaginação a serviço da sexualidade, pode-se muito!

Lembrei-me de um conto de Clarice Lispector, no qual a protagonista, uma senhora idosa, procura o médico para saber quando "aquilo" vai passar. Ele lhe diz que não passará enquanto ela viver. E o que fazer com "aquilo" em plena velhice?  A personagem se satisfaz a si própria.

O primeiro texto de Ferenczi me impactou a ponto de eu parar a leitura para escrever. A sexualidade é difusa e se manifesta sob aspectos variados. Conheço muitos. É como a resposta dada pela cantora Maria Bethânia a um jornalista: "Você namora bem, Bethânia?" "Mas é claro. Eu não cantaria bem se não namorasse bem". A gente também não escreve bem se não "namora" bem. 

Compreende? É sobre entender a dimensão da sexualidade em nossa vida e se valer dela para gozar de diferentes maneiras. 

Mas ninguém há de negar que um orgasmo vale muito mais para nossa pele e nossa satisfação psíquica que ir às urnas votar em quem nada entende dessa história toda.

Ferenczi começou lacrando!










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