Arte e técnica

 Uma das realidades com que me deparei no serviço público foi a quase generalizada INSATISFAÇÃO. Nos primeiros anos, também a experimentei. E achava que “o problema” estava na empresa, até entender, bem mais tarde, que “o problema” estava em mim.

Sempre gostei de escrever. É o que faço com maior facilidade, alegria, gosto e prazer. E a empresa sempre me deu a oportunidade de trabalhar exercendo minha vocação, vocare, chamado, talento, dom. Assim que entrei, já me destinou para a área de elaboração de normas, aproveitando-se de minha capacidade textual e dos meus iniciados conhecimentos de estudante de Direito.

Todos me diziam o quanto eu escrevia bem. Todos supervalorizavam meu manejo linguístico. Falavam abertamente o quanto gostavam do meu trabalho. Só uma coisa contra mim eles tinham. O mesmo que tenho em meu favor: não domino os joguinhos dos poderes político e econômico. Não sei lidar com “tapinhas nas costas” ou coisas do tipo. Meu jogo é outro. É o das palavras. Então, a empresa me abriu todas as portas que eu quis para trabalhar manejando a palavra. Tudo que consegui na vida foi seduzido e conquistado pelo Verbo.

E ainda assim, eu não estava de todo satisfeita. Por quê? Teria de mudar de emprego?

Até que a escrita literária surgiu na minha vida. E eu entendi que adorava escrever notas técnicas sobre correição, mas eu também precisava de algo a mais para exercer a inteligência, a criatividade e a inventividade. Ah! E as sensibilidades!

Lembro-me de que às vezes, embaixo do chuveiro, me vinha toda a construção verbal de uma nota referente a um processo disciplinar que estava sob minha análise. Escrevia de um só fôlego e era a glória.

Mas no serviço público, qualquer que seja ele, estamos submetidos à burocracia, hierarquia, leis, normas, horários. Por outro lado, temos direitos bem legais: descanso, férias, bom salário, folgas e outros. São dois lados da mesma moeda.

E por que a insatisfação? Porque só a atividade pública não me bastava. Eu precisava de arte. Precisava criar algo que não ficasse esquecido e arquivado "nas nuvens" como aquelas notas técnicas que elaborava e que eram tão elogiadas, mas caíam muito rápido no esquecimento.

Então veio a publicação de livros. Esse universo paralelo que me inebria, empolga e alegra tanto. Esse mundo tão vasto e infinito onde posso falar sobre tudo, sem submissão a nenhuma autoridade e sem o crivo da lei.

Aí fiquei em paz no trabalho e na vida, pois consigo me satisfazer tecnicamente, escrevendo, e artisticamente, escrevendo. É que, sem modéstia, eu nasci sabendo só escrever. Nada mais!

Então, o problema nunca foi o serviço público, nunca foi a empresa em que trabalho, embora tenham lá seus problemas.

Só precisava de um meio a mais de expansão e expressão do ser. Precisava fazer literatura.

Eu necessitava, mais que tudo, escrever livros.



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