A Arte de se Comunicar, de Thich Nhat Hanh

Em primeiro lugar, quero definir o termo "arte", tal qual fiz na resenha sobre o livro "A Arte de Escrever", de Arthur Schopenhauer, bem como traduzir o significado da palavra comunicar. A finalidade é apenas facilitar o entendimento do que vem a ser o assunto tratado no livro "A Arte de se Comunicar".
Sendo assim, "arte é a habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional".
Já a palavra "comunicar" provém do latim, communicare, "que significa participar, divulgar, compartilhar ou tornar comum."
Portanto, o livro nos propõe uma forma racional, consciente, controlada, ponderada, pensada e raciocinada de compartilhar com o outro nossos pensamentos e ideias, de maneira compassiva, amorosa e, consequentemente, não agressiva.
Segundo o autor, "a comunicação é o alimento que sustenta as relações, os negócios ou as interações diárias. Para a maioria de nós, no entanto, nunca foram ensinadas habilidades fundamentais da comunicação, ou a melhor forma de representar o nosso verdadeiro eu.
Habilidades de comunicação eficazes são tão importantes para o nosso bem-estar e felicidade como o alimento que colocamos em nosso corpo. Isso pode ser saudável (e nutritivo) ou tóxico (e destrutivo)."
Sabendo disso, cabe-nos a seguinte reflexão: "Quando nos comunicamos com o outro somos nutritivos ou destrutivos?"
O que me fez adquirir esse livro foi o fato de refletir sobre a qualidade das minhas comunicações e descobrir a existência de algumas ou muitas falhas. É claro que eu não estaria me empenhando em aprender a arte de me comunicar se fosse expert no assunto. Sei que não sou. Que é algo que tenho que aprender e aprimorar, pois a nutrição ou destruição de qualquer relacionamento começa pelo uso da linguagem.
Assisti a uma palestra em que o neurocientista Pedro Calabrez afirmava que para termos uma vida mais feliz é essencial que tenhamos qualidade em nossas relações. Como presumo que todos nós buscamos a felicidade, nada melhor do que aprendermos a arte da comunicação para que nossos relacionamentos sejam mais nutritivos e, portanto, mais felizes.
O autor do livro propõe que nos comuniquemos utilizando-nos na da plena atenção. "A prática da plena atenção requer deixar julgamentos irem embora, voltar à consciência da respiração e do corpo e trazer sua atenção àquilo que está em você e à sua volta. Isso vai ajudá-lo a perceber se o pensamento que você acabou de produzir é saudável ou não, se ele é compassivo ou grosseiro."
Isso nos traz alguns aspectos importantes que devem ser utilizados no ato de comunicar: o não julgamento, a respiração que nos torna mais conscientes e a plena presença.
A plena atenção requer que estejamos por inteiro naquele instante no qual estabelecemos uma comunicação. Além disso, requer plena escuta e, por consequência, fala amorosa.
Hoje em dia isso me parece muito difícil. Não escutamos mais a ninguém. Estamos ansiosos por falar o que pensamos, como agiríamos, ou melhor, dar nossa opinião. Interrompemos a fala do outro antes que ele expresse por inteiro seu pensamento. O outro fala do eu. Você fala do seu eu. E a disputa de ego parece não ter fim.
Achei super interessante algo que li no seguinte sentido: se você quer prender a atenção de alguém fale com esse alguém a respeito dele mesmo durante horas.
Não para por aí. O uso da tecnologia dispersa nossa atenção para com o outro. Todos os dias frequento restaurantes e cafés e o que eu vejo é casal que não conversa, pais que não dão atenção aos filhos, amigos que não são capazes de doar o mínimo de atenção um ao outro, porque todos estão ocupados demais com seus smartphones.
Com relação aos pais ainda tenho algumas observações: não desgrudam do celular, mas querem que seus filhos leiam livros, estudem, sejam inteligentes e generosos. Não dão atenção aos filhos, mas os enchem de objetos e coisas inúteis que não os fazem melhores. Tudo sob o argumento de que os amam, os protegem e cuidam deles. Os pais dizem: "meu filho tem tudo o que quer e precisa". Ah bom. Tudo que alguém quer e precisa é atenção, cuidado e amor. Até quando negamos que queremos ser amados, o que queremos é ser amados e compreendidos.
Por outro lado, dar atenção é trabalhoso. Precisa de tempo, esforço, empenho. Dar brinquedos, tablets e celulares é muito mais fácil. Ainda é uma forma de as crianças deixarem os pais em plena paz.
A comunicação plena com o outro exige, antes de tudo, a comunicação plena consigo mesmo. Quem não comunica consigo provavelmente é muito solitário. Sabemos o que acontece no país e no mundo todo, guerras, conflitos, acordos, tratados, política, economia, mas quando perguntados sobre o que sentimos, a reposta é: "não sei" ou "não consigo descrever". Vivemos para fora. Enquanto isso, perdemo-nos num universo de informações e dispersões. A consequência disso é catastrófica: ansiedade, depressão, sofrimento, angústia, suicídio e tantos outros males mentais de que temos notícias.
O viver para fora impede que exercitemos algo indispensável para alcançar a felicidade: o autoconhecimento. "Conhece a ti mesmo".
Já que citei o grande filósofo, preciso compartilhar algo socrático com vocês que me ajudou muito a buscar as coisas que realmente preciso e que são importantes para mim. Li uma história que Sócrates estava passeando por uma espécie de mercado onde havia um comerciante vendendo muito ouro. Ele olhou para aquelas mercadorias e disse: "quantas coisas existem das quais não preciso para viver." Isso me foi muito revelador. Hoje, olho para muitas coisas com esse desdém socrático e me sinto mais feliz. Aí me lembrei também de uma carta que Clarice Lispector mandou às irmãs quando morava no exterior, onde tudo parecia comum aos olhos dela: "a pior espécie de esnobismo é não se interessar pelas coisas desse mundo."
E o que essa história tem a ver com o livro "A arte de se comunicar"? Comunicar é olhar para dentro de si e do outro e não para o que está em volta.
"O mercado nos abastece com tudo que podemos imaginar para nos ajudar a fugir de nós mesmos. Consumimos todos esses produtos para ignorar e acobertar o sofrimento dentro de nós."
"Nossa comunicação com os outros deve basear-se no desejo de entender, ao invés de estar baseada no desejo de provar que estamos certos ou de nos fazer sentir melhor."
A comunicação baseada no desejo de entender é a denominada comunicação compassiva. Ela tem por finalidade ajudar os outros a sofrer menos e baseia-se em dois pilares: escuta profunda e fala amorosa.
Escutar profundamente buscando compreender o outro. Falar amorosamente é "tentar dizer aos outros a verdade a respeito do seu sofrimento e do sofrimento deles."
Para Thich Nhat Hanh, são quatro elementos que norteiam a fala correta:
1. Dizer a verdade. Não mentir nem inverter a verdade.
Entretanto, a verdade tem que ser dita de forma amorosa e protetora.
2. Não exagerar.
Fazer com que coisas simples sejam tratadas com simplicidade, não como algo trágico.
3. Ser consistente.
Significa ser verdadeiro e não mudar o conteúdo para sua própria vantagem ou para se retratar sob uma luz melhor.
4. Usar uma linguagem pacífica. Não usar palavras insultuosas ou violentas, fala cruel, abuso verbal ou condenação.
Ao nos comunicar, devemos levar em consideração o entendimento do receptor, conforme nos informou Buda:
"Eu tenho que falar de acordo com a mente da pessoa que escuta e a habilidade daquela pessoa em receber o que eu tenho para compartilhar."

Há alguns trechos no livro que vão ao encontro da fala budista:
"Temos que falar de maneira diferente com cada pessoa."

"Para aqueles que têm uma compreensão mais profunda, você tem que dar uma resposta mais profunda, refletindo que nada é permanente e tudo está em constante transformação. Nesse caso, o ensinamento transmitido e a maneira como você fala dependem do grau de sabedoria daquele que recebe e da habilidade daquela pessoa em entender o que está sendo dito. Você fala de acordo com o conhecimento e a habilidade da pessoa com quem está falando."

"Você tem que adaptar aquilo que foi dito ao conhecimento do outro."

"Até quando falamos com adultos, podemos modificar o que estamos dizendo de acordo com a fragilidade que achamos que eles possam ter diante de um determinado assunto."

"Quando precisamos dizer algo que sabemos que será difícil para outros ouvirem, devemos ser humildes e tentar olhar cada vez mais profundamente para descobrir de que maneira podemos falar sobre essas coisas."

A fala amorosa pode ser conseguida por meio do exercício de alguns mantras. São eles:
1. Eu estou aqui para você.
2. Eu sei que você está aqui e estou muito feliz.
3. Eu sei que você está sofrendo, e é por isso que estou aqui para você.
4. Eu estou sofrendo, por favor, ajude-me.
5. Este é um momento feliz.
6. Você está parcialmente certo.

Todos esses mantras relacionam-se a uma comunicação em que emissor e receptor doam suas presenças um ao outro, sem distrações, julgamentos ou dispersões.

Entretanto, sabemos que nem tudo são flores. Somos seres humanos e temos consciência de que há certos sentimentos que nos invadem e podem atrapalhar sobremaneira a nossa comunicação com o  outro.
A raiva é uma dessas emoções fortes e, muitas vezes, incontrolável. É prudente que não nos comuniquemos quando estamos imersos a ela. "Quando estamos com raiva, não somos lúcidos". Caso esteja com raiva, inspire e expire por alguns minutos até que ela passe e você possa estabelecer uma comunicação compassiva. "A raiva leva um tempo para cozinhar."
Portanto, embora ela seja um daqueles sentimentos de urgência, é bom que ela tenha dado adeus antes de se estabelecer um contato com o outro, pois "quando você está muito zangado com alguém, no calor do momento, é quase impossível usar a fala amorosa."
Apenas quando estiver calmo, convide a outra pessoa a falar.
É bom lembrar que "nosso maior sofrimento é desencadeado pelas pessoas que mais gostamos", por exemplo, nossos familiares.
"A comunicação com a nossa própria família pode ser ainda mais difícil porque famílias compartilham sofrimentos semelhantes e maneiras semelhantes de responder ao sofrimento."
É quase impossível mudarmos o jeito de ser e reagir das pessoas, sendo assim, "não peça aos membros de sua família para mudarem. Quando você é capaz de gerar a energia da compreensão e da compaixão em si, a reconciliação pode começar a acontecer."
"Se esperarmos que nossos pais ou nossos companheiros mudem, isso pode levar muito tempo. Se esperarmos que a outra pessoa mude, poderemos passar a vida inteira esperando. Logo, é melhor mudar a si mesmo. Não tente forçar a outra pessoa a mudar. Mesmo que leve muito tempo, você se sentirá melhor quando for mestre de si e estiver fazendo o seu melhor."
"Quando somos capazes de produzir um pensamento compassivo, esse pensamento começa a nos curar, curar os outros e curar o mundo."
O mundo precisa de paz. Precisamos plantar os frutos da paz dentro do território ao nosso alcance e seria bom que os governantes fizessem o mesmo. Não podemos ficar batendo boca ou incitando que os nossos concidadãos façam o mesmo. Precisamos praticar a escuta profunda e a fala amorosa de maneira global. Todos seríamos beneficiados se a comunicação compassiva e a fala consciente fossem levadas, inclusive, para a vida política.
Também devemos praticar a comunicação compassiva em nosso trabalho. Cumprimentar os colegas, tratá-los com respeito. "Em qualquer reunião, pratique estar aberto e escutar a experiência e o insight dos outros. Deixe cada pessoa falar a seu tempo, sem interrupções. Não fique preso em duelos verbais."
Essas atitudes são construídas ao longo do tempo, com paciência. Não estou aqui dizendo que é fácil, porque não é. Exige cuidado, esforço, dedicação e vigilância. "Como seres que vivem no mundo, temos hábitos arraigados." Sabemos que hábitos são difíceis de serem abandonados, mas garanto que não é impossível.
"Não espere mudar seu ambiente de trabalho da noite para o dia. Porém, se você fizer um esforço diligente para praticar a comunicação compassiva, tanto consigo quanto com seus colegas, você estará dando passos na direção certa e isso é muito bom."
A nossa comunicação diz muito o que somos. Ela é nossa continuação."O que falamos ou escrevemos, nossa linguagem corporal, nossas ações físicas e mesmo os nossos pensamentos são maneiras de comunicação."
"Nossa comunicação não é neutra. Cada vez que comunicamos, podemos estar produzindo ou mais compaixão, amor e harmonia ou mais sofrimento e violência."
O resultado do nosso ser é a soma de nossos atos e isso envolve o pensamento, a fala e as nossas ações.
O que estamos oferecendo ao outro por meio de nossas falas? E a nós mesmos? Pensamentos, falas e ações também obedecem à lei de causa e efeito, ação e reação. Não há como plantar macieira e colher outra coisa que não maçãs. "Ao produzir um pensamento de ódio, raiva ou desespero, esse pensamento é um veneno e vai afetar seu corpo e sua mente."
Por outro lado, pensamentos de amor geram atos de amor.
Há um tempo venho observando que, por todos os lados, as brigas e os desentendimentos que ocorrem pelos quatro cantos dão-se por intolerância, menosprezo, incapacidade de escuta e fala extremamente agressiva.
Isso tem me incomodado tanto a ponto de eu me perguntar: "que posso fazer?" E a resposta me veio na frase de Mahatma Gandhi: "Seja a mudança que você quer ver no mundo."
Ainda não cheguei onde quero, mas estou buscando dar um passo a cada dia, por exemplo, lendo esse livro e compartilhando com vocês os ensinamentos que pude apreender. E vocês, leitores, vocês estão buscando a mudança que querem ver no mundo?
















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