PRIMITIVO PODER

“Ana Maiara falou, água parou.” Dizendo assim, o colega Rodrigo encerrava todas as discussões na sala de aula, depois que declarava minha opinião, ao ser convocada a manifestá-la. Ele e os outros meninos pareciam ter uma fé cega em mim e naquilo que enunciava como sendo o correto, quase como o peso das palavras de Diadorim para Riobaldo: “Qualquer coisa que ele falasse para mim virava sete.”

Utilizava com cuidado e respeito desse poder que eles me davam sem os ter pedido. Em meio à gritaria e às conversas, apenas observava e analisava cada uma das colocações para, ao final, dizer o que pensava acerca do assunto. Falava pouco e o necessário para fazê-los entender por que acreditava que determinada resposta ou solução seria melhor que outra. E aí Rodrigo metia a frase que revelava a crença naquilo que eu acabara de expressar.

Mas a seriedade com que encaro muitos temas não corresponde à maneira como encaro a vida. A vida não é séria. Ela brinca com a gente. Passei a brincar com ela. E, também, com um dos colegas mais engraçados da turma.

Era nossa primeira aula de Ciências, todos eufóricos e entusiasmados com o início do ano letivo, expondo nossos cadernos e materiais novíssimos. Sabíamos que lá na frente estudaríamos corpo humano e sexualidade, aula que nos aflorava, despertava a curiosidade e a vergonha, mas que a professora, com seu jeito cômico, nos deixava mais à vontade.

Só que estávamos na primeira aula e o assunto a ser exposto era sobre a partícula mais elementar do corpo. Começaríamos do micro para o macro.

Então, a professora fez a primeira pergunta: “Qual a menor unidade do corpo humano?” Todos silentes, em suspensão. Eu sabia a resposta, mas não a enunciei. Resolvi brincar com o colega que sentava à frente, de quem gostava, com quem a amizade perdura até hoje. Balbuciei em seu ouvido: Galáxia. Ele, sem ao menos pensar, empolgado com a possibilidade do acerto, gritou: É GALÁXIA!!!

A algazarra invadiu o espaço. Risos, muitos risos. “Mas foi Ana Maiara quem me falou”. “Mas eu estava brincando com você.”

Mesmo após esse episódio, não deixaram de acreditar em mim, como se até quando brincasse me levassem a sério. Acontece que nem sempre gostaria de ser levada com tanta seriedade, ainda que tenha me tornado escritora cujas palavras ecoam por aí.

E fico chocada quando me chega a notícia de que alguém deu muita importância ao que falei, pensei ou postei, em situações que só estava querendo brincar e descontrair um pouco. Passo o dia brincando de viver e sem me levar a sério, e gostaria que os demais fizessem o mesmo.

Mas acho que já descobri o enigma. É que as pessoas confundem brincar com mentir. E aí pensam que não estou mentindo, porque realmente não estou. Não sei mentir. Minha avó dizia: “Mentir é muito feio, eu não gosto de mentira.” E eu nunca quis ser feia, além de tudo, não queria decepcionar a vó. E talvez não tenha nascido com o dom da mentira. Ainda mais quando escrevo, “pois escrever é coisa sagrada onde os infiéis não têm entrada”.

E se brinco com as palavras, se com elas afeto o outro, e por elas sou afetada, é por pura inocência e prazer de quem se apossou do primitivo poder.

 

                                                                                                                          MAIARA VEIGA


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