Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll
Antes de ler e escrever sobre "Alice no País das Maravilhas", resolvi fazer uma pesquisa a respeito e pude notar que há várias interpretações para essa história. Imediatamente, dei um passo para trás. Não queria entrar em contato com nenhuma daquelas visões existentes para não correr o risco de ser influenciada por elas. Queria era manter-me distante de tudo que já havia e conservar minha pureza e liberdade diante da obra, livrando-me dos pré-conceitos. Fui, assim como nasci, nua e crua ao encontro de Alice.
E, sem pudor algum, confesso que, no auge dos meus trinta anos, não conhecia a história. Apenas imaginava, pelo título, se tratar de uma menina chamada Alice, num país maravilhoso, vivendo peripécias de uma criança.
Até que um dia resolvi adquirir o livro, mas deixei-o enfeitando a estante (enquanto um livro não é lido, ele é, para mim, apenas um enfeite) e, depois de ter lido tantos livros que considerei "sérios" demais, decidi relaxar. Pensei: "quero uma leitura leve agora, uma historinha para criança dormir - e eu também!".
Para minha surpresa, não dava para dormir com essa história, pois descubro na primeira página que Alice está entediada e cansada de ficar sentada ao lado da irmã à beira do lago, sem ter nada para fazer. E, para piorar, o dia estava quente e Alice se sentia sonolenta e estúpida. Imaginei logo que esse tédio a levaria para algum tipo de aventura.
Alice até dá uma olhada no livro que a irmã está lendo para ver se via algo de interessante, mas o livro não tinha nem desenhos nem diálogos. Ela se pergunta de que serve um livro sem desenhos e diálogos. Alice questiona a si própria o tempo todo e eu, automaticamente, entro no seu mundo.
Por que um livro haveria de ter desenho? Porque um desenho é o que é. Se desenho um gato, um cachorro e uma bola é muito provável que concordemos se tratar de um gato, um cachorro e uma bola. Há possibilidade de discussão, mas a discordância é menor. O desenho parece "pôr fim" a uma questão. Por isso a expressão: "Não entendeu? Quer que eu desenhe?"
Quanto a um livro ter que ter diálogo, concordo com Alice: tem mesmo. É preciso conversar com ele. Questioná-lo. O leitor precisa dialogar com o que lê. Não precisa concordar com tudo que está sendo posto. Pode rever suas certezas, as do escritor ou as de ambos. Pode, inclusive, discordar de tudo. E o livro tem que conversar conosco. É preciso um ouvir ao outro.
Mas, lembrem-se, Alice está sentada à beira do lago entediada. De repente, vê um coelho branco e o segue. Segue porque lhe interessa um coelho com bolso no colete, algo que nunca tinha visto. Segue porque quem tem tédio quer algo que ainda não tem. Alice vai atrás do desconhecido, ainda que por um caminho que nunca percorrera. O caminho é longo e escuro. Alice vai, vai, vai... até que cai.
Cai num saguão onde há muitas portas trancadas e uma mesa com uma chave de ouro. A chave abre uma portinha que fica atrás de uma cortina e que dá para um encantado jardim. Mas, Alice não consegue passar pela porta. Encontra uma garrafa com um líquido dentro e, antes de bebê-lo, sábia como achava que era, certifica se não é veneno. Alice nunca se esquecera "que se alguém bebe muito de uma garrafa marcada com a palavra "veneno", é quase certo que vai passar mal mais cedo ou mais tarde". E me passa uma lição: que é preciso ter muito cuidado com o que ando consumindo, pois mais cedo ou mais tarde as consequências hão de vir.
Após conferir, bebe o líquido e encolhe (penso que quando criança devo ter bebido desse mesmo líquido, pois adulta me mantenho encolhida). Agora daria para passar pela porta que dava para o jardim, mas ela esquecera a chave em cima da mesa e de tão pequenina que ficou não conseguia mais alcançá-la. Alice chorou e logo se ordenou a parar de chorar. Chorar não dá jeito! Ela se aconselhou a sair dali imediatamente. "Ela em geral se dava muitos bons conselhos (embora raramente os seguisse). Lembrei que há um bom tempo tenho me aconselhado a dormir mais cedo, comer menos, praticar mais exercícios físicos. Também me dou bons conselhos, mas quase não os sigo. Como entendo Alice!
Preciso contar que às vezes Alice se punia por trapacear a si mesma fingindo ser duas. E quando se viu sozinha, sem achar uma solução para o seu problema de não conseguir passar pela porta, viu que não adiantaria fingir ser o que não era. Não conseguiria enganar a si própria. Estava diante de suas limitações e devia encarar. Ela ainda não estava preparada para entrar no jardim. Teria primeiro que viver mais experiências e aprender com elas.
Alice achou uma caixinha de vidro com bolo dentro. Comeu o bolo. Esperou que algo de extraordinário acontecesse. Mas o que pode acontecer de extraordinário com alguém que come um bolo se todos comem bolo e nada demais acontece? Se Maria coloca a mão no fogo e queima por que espero colocar a mão no fogo e não me queimar? Estaria também esperando coisas extraordinárias diante dos mesmos comportamentos?
Surpreendentemente, Alice cresce pouco mais de 2.70 m. Fica tão grande que se distancia de seus próprios pés. Pensa em abandoná-los, mesmo que eles a tenham levado até ali, mas desiste "senão talvez não queiram caminhar para onde desejo ir", pensou ela. Reflito sobre quantas vezes abandonamos quem nos ajuda a chegar onde chegamos quando vemos que estamos enormes.
Por crescer, ela alcança a chave sobre a mesa, mas agora é que não consegue mesmo passar pela porta. Chora uma poça de lágrimas. Já nem sabe mais quem é. Depois, encolhe de novo e se vê afogando no mar de lágrimas que chorou quando ficou grande.
Seu choro é interrompido ao encontrar um camundongo e ela se põe a falar com ele sobre gatos. O camundongo se afasta, pois não gosta de falar sobre esse assunto. Questiona Alice: "você gostaria de gatos, se fosse eu?"
É claro que Alice não gostaria. Quem poderia gostar de algo que nos fere e mata? É possível gostar de algo que nos destrói? Penso que se não gostamos, por vezes nos acostumamos.
O camundongo leva Alice até a margem e outros animais se juntam a eles. Mas, como ela insistia em falar sobre sua gata Dinah todos arrumaram um pretexto e a deixaram sozinha. Os outros animais também não gostavam desse assunto, pois todos serviam de alimento para os gatos. Mesmo sem intenção, ela ferira os sentimentos desses animais.
Alice ora crescia, ora encolhia, ora voltava ao seu tamanho normal e assim ia tentando se adequar aos lugares que percorria. Quando perguntada por uma lagarta sobre quem era, respondeu: "Eu...eu... no momento não sei, minha senhora...pelo menos sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde então".
"Já não sou eu, entende? Não entendo a mim mesma. Ter muitos tamanhos num mesmo dia é muito confuso".
Diante dessa confusão porque passava Alice, a lagarta a aconselhou: "Não perca as estribeiras". E quando perguntada pela lagarta de que tamanho queria ser, Alice disse que não era exigente quanto a isso, mas não queria ficar mudando de tamanho a todo instante.
Na verdade, Alice não sabia o que queria e por isso acabava sendo como a ocasião lhe exigia.
Houve até quem dissesse que Alice era uma serpente. "Nunca sei ao certo o que vou ser no próximo minuto", murmurou Alice.
Fico cá pensando: "Coitados dos que estão perdidos como Alice". Mas, a notícia boa é: ainda dá tempo de se acharem.
De uma coisa estava certa: queria entrar no jardim que avistou pelo buraco da fechadura logo que chegou ao saguão.
Alice encontra a Duquesa em seu caminho e logo esta contesta a sabedoria da menina: "Você não sabe muito". Mas, até pouco tempo atrás ela achava que sabia, pelo menos sabia mais que sua amiga Mabel. Essa era a sua referência. Só que nessa caminhada para chegar até o jardim, Alice era confrontada com outros seres e, portanto, suas referências agora eram outras. Podia saber mais que sua amiga Mabel. Mas, provavelmente, teria muito ainda a aprender.
Aparece um gato e Alice o pergunta: que caminho devo tomar para sair daqui?
O gato: isso depende bastante de onde você quer chegar.
Alice: o lugar não me importa muito...
O gato: então não importa que caminho você vai tomar.
Alice até já se esquecera que queria chegar ao jardim.
Pergunta ao gato que tipo de pessoas moram ali. O gato diz que à direita mora um chapeleiro e à esquerda uma Lebre de Março. "Visite quem quiser, são ambos loucos".
Alice: "Mas eu não ando com loucos".
Gato: "Oh, você não tem como evitar".
Para explicar o que era ser louco, o gato deu o exemplo de um cachorro como referência (tido por alguns como não louco) e mostrou que, uma vez sendo gato, fazia o contrário do que o cachorro fazia. Ah seu gato, entendi.
Então, taxamos de loucos todos aqueles que fazem o contrário do que fazemos. E somos taxados de loucos por fazermos o contrário do que os outros fazem. Concluo, pois, que Alice, o gato, o camundongo, a lagarta, a Duquesa, minha amiga Ana e eu somos todos loucos. É, sendo assim, não temos mesmo como evitá-los.
Só existiam dois moradores naquele lugar. Como Alice já conhecia muitos chapeleiros, resolveu entrar na casa da Lebre de Março. Sempre indo atrás do que não conhecia, movida que era pela curiosidade.
Estavam reunidos numa mesa para tomarem chá a Lebre de Março, o Chapeleiro e o Albanaz. Ao verem Alice se aproximando gritaram que não havia lugar para ela. Mesmo assim, Alice sentou à mesa. Então lhe ofereceram vinho. Alice disse que só havia chá e não era educado oferecer algo que não tinha. Então disseram a ela: "também não é educado sentar-se à mesa sem ser convidada". Alice zangou-se, o que pouco importa, pois deve ter aprendido que não devemos oferecer o que não temos nem nos metermos onde não fomos chamados.
O chapeleiro disse a ela que seu cabelo precisava de um corte. Ela não gostou do comentário pessoal, embora fizesse os seus comentários pessoais sem qualquer censura.
Durante o chá, Alice fora confrontada com sua própria ignorância por meio de perguntas que não soubera responder. Chamaram-na de estúpida, fizeram coisas que ela considerou grosseria e, ofendida, foi embora e prometera nunca mais voltar naquele lugar.
Esse episódio me faz lembrar da primeira vez que fui a uma psicóloga e ela me falou: "você acha que a vida é uma tela e que você tem um controle remoto onde pode ligar e desligar quando quiser? Acha mesmo que pode controlar tudo?" Oh céus, sempre a questão do controle!
Prometi que jamais voltaria àquela sessão e não voltei. Parece que ninguém gosta mesmo de confrontar-se com suas ignorâncias e defeitos.
Enfim, Alice consegue entrar para o jardim e lá se põe a jogar croqué a convite da rainha. Entretanto, o jogo é muito confuso e sem regras. A rainha quer resolver todos os problemas mandando que cortem a cabeça de todos. Mas Alice se inquieta: "gostam muito de decapitar as pessoas por aqui. O grande mistério é que ainda reste alguém vivo".
O jogo de croqué, que acontece no campo da rainha, é a vida do lado de fora. Salve-se quem puder! E Alice precisa se salvar. No jogo, ela se impõe. Quando a rainha pede para cortarem a cabeça de alguém, Alice diz: "Tolice". E, cheia de coragem, enfrenta o jogo e também a rainha. Sua coragem faz com que a rainha a peça para decidir quem deve ganhar o jogo: a rainha, o rei ou o carrasco. Alice diz que quem deve decidir é a Duquesa que ela sabia estar presa prestes a ser executada porque deu um tabefe na orelha da rainha. A rainha ordena que soltem a Duquesa. E, nesse ato, Alice a salva. E, pasmem, aquela Duquesa tão mal-humorada que Alice conhecera outrora se transformou num amor de pessoa para com a menina. Ah, os interesses!
Alice descobre que assim como no jogo de croqué, no jogo da vida "todos brigam tão terrivelmente que não se pode nem escutar a própria voz...todos falam ao mesmo tempo...e não parecem ter nenhuma regra em particular, pelo menos, se há regras, ninguém as obedece".
A rainha pede que apresentem a tartaruga falsa para Alice. A tartaruga falsa põe-se a contar sua história. Diz que antes de se tornar falsa era um tartaruga verdadeira que ia para uma escola no mar. Sua mestre, a Jabuti, colocava muitas coisas em sua cabeça. A tartaruga tinha aulas extras de francês, música e lavagem. Alice indaga se haveria necessidade de ter essas aulas já que a tartaruga morava no fundo do mar.
Entendo de imediato o questionamento de Alice: para que saber coisas que não nos são úteis? A tartaruga verdadeira passou por tantas lavagens, já que lhes colocavam tantas coisas inúteis na cabeça, que acabou virando uma tartaruga falsa. Será o que as escolas estão fazendo com as crianças? E será o que as redes sociais estão plantando nas cabeças das pessoas? A sensação que tenho é de que estamos falseando tudo. Quando ouço pais orgulhosos dizendo que seus filhos têm mil matérias para estudar fico pensando qual a utilidade desse tanto de coisa e porquê de não estarem estudando o que realmente importa para suas vidas. Todos estamos sendo transformados em tartarugas falsas?
Alice estava bem mais contida. Antes de falar qualquer coisa que pudesse ofender alguém - pensava. Sabia que tinha mudado muito e que não era mais a mesma.
Um julgamento ia começar no campo da rainha, pois ela assara tortas que foram roubadas. Prenderam o Valete de Copas que estava sendo acusado desse crime. Havia doze jurados e o Rei era o juiz da questão.
Alice observava o julgamento com grande curiosidade, prestando atenção a tudo que ocorria. E ela sentia que estava crescendo muito naquele momento. A rainha ordenou que chamassem Alice para depor como testemunha do crime.
Perguntada a respeito do que sabia sobre a questão, Alice respondeu: "Nada".
Ela estava tão grande e corajosa que não tinha nem receio de interromper o rei quando achava que devia. Ela contestava rei, rainha e qualquer outro que falasse coisas de que ela discordava.
"Cale-se", disse a rainha.
Alice: "Não me calo".
"Cortem a cabeça dela", gritou a rainha.
"Quem se importa com vocês?", disse Alice. "Vocês não passam de um baralho de cartas".
Depois de proferir essas palavras, Alice acordou e estava deitada no colo da irmã. Tudo não passara de um sonho.
Provavelmente, Alice jamais seria a mesma depois desse sonho. Um sonho que a levou ao autoconhecimento e ao crescimento. Alice aprendeu a lidar com as próprias limitações, a crescer e a diminuir quando necessário, a voltar ao seu tamanho normal. Aprendeu que não era tão sábia quanto imaginava, que era preciso saber falar e, principalmente, a calar. Aprendeu a dialogar, a contestar, a não ter medo de enfrentar seus medos. E Alice se tornou grande e sabe que pode se tornar ainda maior.
Foi o País das Maravilhas que permitiu o crescimento de Alice, porque para um país ser maravilhoso é preciso que ele permita que seus habitantes cresçam.
Alice no País das Maravilhas é um livro fantástico, cheio de metáforas e de ensinamentos. Já não sou mais a mesma que era antes de lê-lo. Cresci com Alice e com enorme disposição de crescer bem mais.
E, sem pudor algum, confesso que, no auge dos meus trinta anos, não conhecia a história. Apenas imaginava, pelo título, se tratar de uma menina chamada Alice, num país maravilhoso, vivendo peripécias de uma criança.
Até que um dia resolvi adquirir o livro, mas deixei-o enfeitando a estante (enquanto um livro não é lido, ele é, para mim, apenas um enfeite) e, depois de ter lido tantos livros que considerei "sérios" demais, decidi relaxar. Pensei: "quero uma leitura leve agora, uma historinha para criança dormir - e eu também!".
Para minha surpresa, não dava para dormir com essa história, pois descubro na primeira página que Alice está entediada e cansada de ficar sentada ao lado da irmã à beira do lago, sem ter nada para fazer. E, para piorar, o dia estava quente e Alice se sentia sonolenta e estúpida. Imaginei logo que esse tédio a levaria para algum tipo de aventura.
Alice até dá uma olhada no livro que a irmã está lendo para ver se via algo de interessante, mas o livro não tinha nem desenhos nem diálogos. Ela se pergunta de que serve um livro sem desenhos e diálogos. Alice questiona a si própria o tempo todo e eu, automaticamente, entro no seu mundo.
Por que um livro haveria de ter desenho? Porque um desenho é o que é. Se desenho um gato, um cachorro e uma bola é muito provável que concordemos se tratar de um gato, um cachorro e uma bola. Há possibilidade de discussão, mas a discordância é menor. O desenho parece "pôr fim" a uma questão. Por isso a expressão: "Não entendeu? Quer que eu desenhe?"
Quanto a um livro ter que ter diálogo, concordo com Alice: tem mesmo. É preciso conversar com ele. Questioná-lo. O leitor precisa dialogar com o que lê. Não precisa concordar com tudo que está sendo posto. Pode rever suas certezas, as do escritor ou as de ambos. Pode, inclusive, discordar de tudo. E o livro tem que conversar conosco. É preciso um ouvir ao outro.
Mas, lembrem-se, Alice está sentada à beira do lago entediada. De repente, vê um coelho branco e o segue. Segue porque lhe interessa um coelho com bolso no colete, algo que nunca tinha visto. Segue porque quem tem tédio quer algo que ainda não tem. Alice vai atrás do desconhecido, ainda que por um caminho que nunca percorrera. O caminho é longo e escuro. Alice vai, vai, vai... até que cai.
Cai num saguão onde há muitas portas trancadas e uma mesa com uma chave de ouro. A chave abre uma portinha que fica atrás de uma cortina e que dá para um encantado jardim. Mas, Alice não consegue passar pela porta. Encontra uma garrafa com um líquido dentro e, antes de bebê-lo, sábia como achava que era, certifica se não é veneno. Alice nunca se esquecera "que se alguém bebe muito de uma garrafa marcada com a palavra "veneno", é quase certo que vai passar mal mais cedo ou mais tarde". E me passa uma lição: que é preciso ter muito cuidado com o que ando consumindo, pois mais cedo ou mais tarde as consequências hão de vir.
Após conferir, bebe o líquido e encolhe (penso que quando criança devo ter bebido desse mesmo líquido, pois adulta me mantenho encolhida). Agora daria para passar pela porta que dava para o jardim, mas ela esquecera a chave em cima da mesa e de tão pequenina que ficou não conseguia mais alcançá-la. Alice chorou e logo se ordenou a parar de chorar. Chorar não dá jeito! Ela se aconselhou a sair dali imediatamente. "Ela em geral se dava muitos bons conselhos (embora raramente os seguisse). Lembrei que há um bom tempo tenho me aconselhado a dormir mais cedo, comer menos, praticar mais exercícios físicos. Também me dou bons conselhos, mas quase não os sigo. Como entendo Alice!
Preciso contar que às vezes Alice se punia por trapacear a si mesma fingindo ser duas. E quando se viu sozinha, sem achar uma solução para o seu problema de não conseguir passar pela porta, viu que não adiantaria fingir ser o que não era. Não conseguiria enganar a si própria. Estava diante de suas limitações e devia encarar. Ela ainda não estava preparada para entrar no jardim. Teria primeiro que viver mais experiências e aprender com elas.
Alice achou uma caixinha de vidro com bolo dentro. Comeu o bolo. Esperou que algo de extraordinário acontecesse. Mas o que pode acontecer de extraordinário com alguém que come um bolo se todos comem bolo e nada demais acontece? Se Maria coloca a mão no fogo e queima por que espero colocar a mão no fogo e não me queimar? Estaria também esperando coisas extraordinárias diante dos mesmos comportamentos?
Surpreendentemente, Alice cresce pouco mais de 2.70 m. Fica tão grande que se distancia de seus próprios pés. Pensa em abandoná-los, mesmo que eles a tenham levado até ali, mas desiste "senão talvez não queiram caminhar para onde desejo ir", pensou ela. Reflito sobre quantas vezes abandonamos quem nos ajuda a chegar onde chegamos quando vemos que estamos enormes.
Por crescer, ela alcança a chave sobre a mesa, mas agora é que não consegue mesmo passar pela porta. Chora uma poça de lágrimas. Já nem sabe mais quem é. Depois, encolhe de novo e se vê afogando no mar de lágrimas que chorou quando ficou grande.
Seu choro é interrompido ao encontrar um camundongo e ela se põe a falar com ele sobre gatos. O camundongo se afasta, pois não gosta de falar sobre esse assunto. Questiona Alice: "você gostaria de gatos, se fosse eu?"
É claro que Alice não gostaria. Quem poderia gostar de algo que nos fere e mata? É possível gostar de algo que nos destrói? Penso que se não gostamos, por vezes nos acostumamos.
O camundongo leva Alice até a margem e outros animais se juntam a eles. Mas, como ela insistia em falar sobre sua gata Dinah todos arrumaram um pretexto e a deixaram sozinha. Os outros animais também não gostavam desse assunto, pois todos serviam de alimento para os gatos. Mesmo sem intenção, ela ferira os sentimentos desses animais.
Alice ora crescia, ora encolhia, ora voltava ao seu tamanho normal e assim ia tentando se adequar aos lugares que percorria. Quando perguntada por uma lagarta sobre quem era, respondeu: "Eu...eu... no momento não sei, minha senhora...pelo menos sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde então".
"Já não sou eu, entende? Não entendo a mim mesma. Ter muitos tamanhos num mesmo dia é muito confuso".
Diante dessa confusão porque passava Alice, a lagarta a aconselhou: "Não perca as estribeiras". E quando perguntada pela lagarta de que tamanho queria ser, Alice disse que não era exigente quanto a isso, mas não queria ficar mudando de tamanho a todo instante.
Na verdade, Alice não sabia o que queria e por isso acabava sendo como a ocasião lhe exigia.
Houve até quem dissesse que Alice era uma serpente. "Nunca sei ao certo o que vou ser no próximo minuto", murmurou Alice.
Fico cá pensando: "Coitados dos que estão perdidos como Alice". Mas, a notícia boa é: ainda dá tempo de se acharem.
De uma coisa estava certa: queria entrar no jardim que avistou pelo buraco da fechadura logo que chegou ao saguão.
Alice encontra a Duquesa em seu caminho e logo esta contesta a sabedoria da menina: "Você não sabe muito". Mas, até pouco tempo atrás ela achava que sabia, pelo menos sabia mais que sua amiga Mabel. Essa era a sua referência. Só que nessa caminhada para chegar até o jardim, Alice era confrontada com outros seres e, portanto, suas referências agora eram outras. Podia saber mais que sua amiga Mabel. Mas, provavelmente, teria muito ainda a aprender.
Aparece um gato e Alice o pergunta: que caminho devo tomar para sair daqui?
O gato: isso depende bastante de onde você quer chegar.
Alice: o lugar não me importa muito...
O gato: então não importa que caminho você vai tomar.
Alice até já se esquecera que queria chegar ao jardim.
Pergunta ao gato que tipo de pessoas moram ali. O gato diz que à direita mora um chapeleiro e à esquerda uma Lebre de Março. "Visite quem quiser, são ambos loucos".
Alice: "Mas eu não ando com loucos".
Gato: "Oh, você não tem como evitar".
Para explicar o que era ser louco, o gato deu o exemplo de um cachorro como referência (tido por alguns como não louco) e mostrou que, uma vez sendo gato, fazia o contrário do que o cachorro fazia. Ah seu gato, entendi.
Então, taxamos de loucos todos aqueles que fazem o contrário do que fazemos. E somos taxados de loucos por fazermos o contrário do que os outros fazem. Concluo, pois, que Alice, o gato, o camundongo, a lagarta, a Duquesa, minha amiga Ana e eu somos todos loucos. É, sendo assim, não temos mesmo como evitá-los.
Só existiam dois moradores naquele lugar. Como Alice já conhecia muitos chapeleiros, resolveu entrar na casa da Lebre de Março. Sempre indo atrás do que não conhecia, movida que era pela curiosidade.
Estavam reunidos numa mesa para tomarem chá a Lebre de Março, o Chapeleiro e o Albanaz. Ao verem Alice se aproximando gritaram que não havia lugar para ela. Mesmo assim, Alice sentou à mesa. Então lhe ofereceram vinho. Alice disse que só havia chá e não era educado oferecer algo que não tinha. Então disseram a ela: "também não é educado sentar-se à mesa sem ser convidada". Alice zangou-se, o que pouco importa, pois deve ter aprendido que não devemos oferecer o que não temos nem nos metermos onde não fomos chamados.
O chapeleiro disse a ela que seu cabelo precisava de um corte. Ela não gostou do comentário pessoal, embora fizesse os seus comentários pessoais sem qualquer censura.
Durante o chá, Alice fora confrontada com sua própria ignorância por meio de perguntas que não soubera responder. Chamaram-na de estúpida, fizeram coisas que ela considerou grosseria e, ofendida, foi embora e prometera nunca mais voltar naquele lugar.
Esse episódio me faz lembrar da primeira vez que fui a uma psicóloga e ela me falou: "você acha que a vida é uma tela e que você tem um controle remoto onde pode ligar e desligar quando quiser? Acha mesmo que pode controlar tudo?" Oh céus, sempre a questão do controle!
Prometi que jamais voltaria àquela sessão e não voltei. Parece que ninguém gosta mesmo de confrontar-se com suas ignorâncias e defeitos.
Enfim, Alice consegue entrar para o jardim e lá se põe a jogar croqué a convite da rainha. Entretanto, o jogo é muito confuso e sem regras. A rainha quer resolver todos os problemas mandando que cortem a cabeça de todos. Mas Alice se inquieta: "gostam muito de decapitar as pessoas por aqui. O grande mistério é que ainda reste alguém vivo".
O jogo de croqué, que acontece no campo da rainha, é a vida do lado de fora. Salve-se quem puder! E Alice precisa se salvar. No jogo, ela se impõe. Quando a rainha pede para cortarem a cabeça de alguém, Alice diz: "Tolice". E, cheia de coragem, enfrenta o jogo e também a rainha. Sua coragem faz com que a rainha a peça para decidir quem deve ganhar o jogo: a rainha, o rei ou o carrasco. Alice diz que quem deve decidir é a Duquesa que ela sabia estar presa prestes a ser executada porque deu um tabefe na orelha da rainha. A rainha ordena que soltem a Duquesa. E, nesse ato, Alice a salva. E, pasmem, aquela Duquesa tão mal-humorada que Alice conhecera outrora se transformou num amor de pessoa para com a menina. Ah, os interesses!
Alice descobre que assim como no jogo de croqué, no jogo da vida "todos brigam tão terrivelmente que não se pode nem escutar a própria voz...todos falam ao mesmo tempo...e não parecem ter nenhuma regra em particular, pelo menos, se há regras, ninguém as obedece".
A rainha pede que apresentem a tartaruga falsa para Alice. A tartaruga falsa põe-se a contar sua história. Diz que antes de se tornar falsa era um tartaruga verdadeira que ia para uma escola no mar. Sua mestre, a Jabuti, colocava muitas coisas em sua cabeça. A tartaruga tinha aulas extras de francês, música e lavagem. Alice indaga se haveria necessidade de ter essas aulas já que a tartaruga morava no fundo do mar.
Entendo de imediato o questionamento de Alice: para que saber coisas que não nos são úteis? A tartaruga verdadeira passou por tantas lavagens, já que lhes colocavam tantas coisas inúteis na cabeça, que acabou virando uma tartaruga falsa. Será o que as escolas estão fazendo com as crianças? E será o que as redes sociais estão plantando nas cabeças das pessoas? A sensação que tenho é de que estamos falseando tudo. Quando ouço pais orgulhosos dizendo que seus filhos têm mil matérias para estudar fico pensando qual a utilidade desse tanto de coisa e porquê de não estarem estudando o que realmente importa para suas vidas. Todos estamos sendo transformados em tartarugas falsas?
Alice estava bem mais contida. Antes de falar qualquer coisa que pudesse ofender alguém - pensava. Sabia que tinha mudado muito e que não era mais a mesma.
Um julgamento ia começar no campo da rainha, pois ela assara tortas que foram roubadas. Prenderam o Valete de Copas que estava sendo acusado desse crime. Havia doze jurados e o Rei era o juiz da questão.
Alice observava o julgamento com grande curiosidade, prestando atenção a tudo que ocorria. E ela sentia que estava crescendo muito naquele momento. A rainha ordenou que chamassem Alice para depor como testemunha do crime.
Perguntada a respeito do que sabia sobre a questão, Alice respondeu: "Nada".
Ela estava tão grande e corajosa que não tinha nem receio de interromper o rei quando achava que devia. Ela contestava rei, rainha e qualquer outro que falasse coisas de que ela discordava.
"Cale-se", disse a rainha.
Alice: "Não me calo".
"Cortem a cabeça dela", gritou a rainha.
"Quem se importa com vocês?", disse Alice. "Vocês não passam de um baralho de cartas".
Depois de proferir essas palavras, Alice acordou e estava deitada no colo da irmã. Tudo não passara de um sonho.
Provavelmente, Alice jamais seria a mesma depois desse sonho. Um sonho que a levou ao autoconhecimento e ao crescimento. Alice aprendeu a lidar com as próprias limitações, a crescer e a diminuir quando necessário, a voltar ao seu tamanho normal. Aprendeu que não era tão sábia quanto imaginava, que era preciso saber falar e, principalmente, a calar. Aprendeu a dialogar, a contestar, a não ter medo de enfrentar seus medos. E Alice se tornou grande e sabe que pode se tornar ainda maior.
Foi o País das Maravilhas que permitiu o crescimento de Alice, porque para um país ser maravilhoso é preciso que ele permita que seus habitantes cresçam.
Alice no País das Maravilhas é um livro fantástico, cheio de metáforas e de ensinamentos. Já não sou mais a mesma que era antes de lê-lo. Cresci com Alice e com enorme disposição de crescer bem mais.
Como disse, conhecia o tão famoso livro mas a história tive o prazer de conhecer no seu blog, amei 👏👏👏
ResponderExcluirMuito bom. Aconselho a ler o livro para que tire seus próprios ensinamentos e conclusões. Ainda, se puder compartilhá-los aqui, muito melhor. Beijos!
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