Esaú e Jacó, de Machado de Assis.


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Esaú e Jacó é o livro de Machado de Assis que conta a história de dois irmãos gêmeos chamados Pedro e Paulo. 

O que Machado sugeriu desejar ao fornecer esse título ao livro foi, de início, dar pistas ao leitor de como seria a relação dos irmãos, personagens de sua obra.

Antes de contar a história dos irmãos machadianos, falarei dos irmãos bíblicos, Esaú e Jacó, inscrita no livro de Gênesis.

Rebeca era esposa de Isaac, filho de Abraão. Devido à esterilidade de sua mulher, Isaac suplicou ao Senhor para que Rebeca concebesse filho. 

Deus o atendeu e Rebeca engravidou de gêmeos. Eles se chocavam desde o ventre, então Rebeca dirigiu uma consulta ao Senhor, que lhe respondeu: "Duas nações trazes no ventre, dois povos se dividirão em tuas entranhas. Um povo será mais forte que o outro, e o mais velho servirá ao mais novo".

Esaú nasceu primeiro que Jacó. Este era pacífico e o preferido da mãe. Aquele, hábil caçador e rude, o protegido do pai. A primogenitura dava direito ao filho de receber a benção paterna. Entretanto, num dia em que Esaú estava com muita fome, ele vendeu a primogenitura a Jacó em troca de comida. Mais que fome de benção, naquele momento Esaú tinha fome de alimento.

Isaac adoece e pede ao filho Esaú que vá atrás de caça para que possa alimentar-se antes de lhe dar a benção. Rebeca escuta a conversa de Isaac e Esaú e, em seguida, pede ao filho Jacó para que mate dois cabritos do rebanho e o auxilia a se passar por Esaú para que receba a benção no lugar do irmão. 

Ao retornar e saber do ocorrido, Esaú odiou Jacó e prometeu matá-lo assim que o pai morresse. Para saber o resto da história, leiam a Bíblia.

Já os gêmeos Pedro e Paulo nasceram de Natividade. Mulher casada com Santos e sempre preocupada com o futuro dos filhos. Tão preocupada que, logo cedo, tratou de consultar uma vidente sobre como seria o futuro dos descendentes. 

Foi informada de que seriam "grandes homens". E só de pensar nisso Natividade se alegrara, pois grandes homens também são obras de grandes mães.

Natividade percebera uma rivalidade entre os irmãos desde a mais tenra idade. Parece que, como Esaú e Jacó, a desavença começou já no ventre.

Um estudou Direito, o outro medicina. Um em São Paulo, o outro no Rio de Janeiro. 

Uma vez se desentenderam por conta da compra de um quadro. Outra, por posições políticas divergentes. Um era liberal. O outro conservador. Um defendia a Monarquia. O outro, a República.

Unidos pelo mesmo útero, tiveram que conviver por nove meses no mesmo e pequeno espaço. Não tinham escolha. Após, separados pelas diferenças, se não físicas, de ideias, andavam por caminhos opostos sempre que podiam. 

Natividade tentava em vão uni-los. O amor da mãe lhes era comum. Ao contrário de Rebeca que preferia Jacó a Esaú, Natividade demonstrava igual amor aos filhos. Se preferência havia, guardou-a para si por toda a vida. 

Primeiro, unidos pela mesma mãe e, depois, uma mesma mulher por quem os dois se apaixonaram. Os gêmeos se encantaram simultaneamente por Flora, que se encantara de uma só vez pelos dois. O que faltava num ela via no outro. Mais um motivo de disputa, de desavença e desunião entre Esaú e Jacó. Aliás, entre Pedro e Paulo.

Chegaram a concordar em esperar que a moça escolhesse um dos dois. E o perdedor teria que aceitar o resultado. Entretanto, Flora não se decidia. Sofria, entrava em devaneios e até adoecera, mas escolher entre os dois não conseguia. Talvez um terceiro livraria-os e livraria a ela mesma. Mas, terceiro não haveria de existir, pois Flora só mirava em duas direções. 

Se toda opção pressupõe uma renúncia, Flora preferiu a morte a escolher por um. Para ela, melhor pouco que nada não se aplicava. Ou os dois, igualmente grandes, ou a sepultura. Nesse impasse, acabou morrendo. 

No enterro de Flora, os irmãos deram-se as mãos e prometeram se unir. Não durou mais que um mês a promessa. Ao visitarem mais tarde o túmulo da amada, cada qual a sua hora e sem falar um para o outro, acendeu-se um pouco da ira antiga. Ainda que morta, Flora os separava.

Pedro abriu um consultório, Paulo uma banca de advocacia. Porém, a política os chamara, para felicidade da mãe. Ambos foram eleitos deputados. Eleitos para um fazer oposição ao outro. Agora é que não faltariam ocasiões e matérias para divergirem. Mal se podiam ver e ouvir mutuamente.

Como observou o conselheiro Aires, um representava o espírito da conservação, o outro da inquietação.

Natividade adoece e, antes da morte, segura com a mão direita na mão de um filho e com a esquerda na mão do outro. Suplica pela união deles. Ela já havia comentado com Aires que Pedro e Paulo amavam-se nela. Utilizou-se desse amor para fazê-los prometer a concórdia.

Enquanto a perda da mãe estava recente em seus corações, os irmãos conseguiram alguns poucos instantes de paz. Mas, como o tempo é um dragão que devora inclusive as nossas mais dolorosas lembranças, à medida que os dias se passavam e a morte da mãe ia ficando cada vez mais longínqua, os desentendimentos aumentavam.

Uma vez, dentre as muitas conversas que manteve com Aires, Natividade chegou a sugerir que as desavenças entre os filhos tinham como causa a paixão política acesa em ambos. Aires retrucou: "A senhora cuida que a política os desune; francamente, não. A política é um incidente, como a moça Flora foi outro..."

E as reticências indicavam incidentes mais. Teve até quem sugeriu que, agora, era a disputa pela herança da mãe que os fazia brigar. Aires nem se deu ao trabalho de dizer que não era a herança e, refletiu: "Eles são os mesmos, desde o útero".

Não bastou para os gêmeos desejarem a mesma mulher. Agora, queriam, ambos, a Presidência da República. E, assim como Flora não pudera se dividir para se dar aos dois, a República, monocrática, só admitiria um Presidente. Pedro ou Paulo? Quem há de saber? Talvez só o tempo nos diga.






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