Ter ou não ter? Eis a questão!
Imagine um menino e uma menina, ambos com três anos de idade, nus, de frente um para o outro. A menina olha para o menino e pensa: "Ele tem. Eu não tenho" (ela não tem o que perder). O menino olha para a menina e pensa: "Ela não tem. Eu tenho" (ele tem algo para dar).
É esse ter ou não ter que marca o fenômeno psicanalítico da castração.
Em que pese as demais características físicas que diferenciam os sexos, os genitais são os que anunciam, já no útero, o que se espera daquele que vai nascer. Após o exame de ultrassom, os pais se viram para o médico: e aí doutor, é menino ou menina? Ao avistar-se um pênis, diz-se menino; à sua não evidência, menina. À partir daí, nomes são escolhidos, roupas e acessórios comprados, quartos decorados e toda uma série de pensamentos e acontecimentos se desencadeiam com a definição do sexo.
O falo (ou pênis) é um objeto que remete e está associado às ideias de poder, força, potência e completude. Muitas são as culturas que prestavam e ainda prestam culto e reverência ao falo por tudo aquilo que ele simboliza. Este, o motivo porque Freud chegou a cogitar que as mulheres nutrem inveja do pênis, que não estaria direcionada ao órgão em si, mas ao que ele representa. Tê-lo confere poder aos quem o tem, aos homens. Não tê-lo é não poder, é ser marcada, no próprio corpo, pela falta. É ter, por destino, a angústia da castração.
Tal falta na mulher, no entanto, é uma falta imaginária. Mas, mesmo sendo imaginária, produz efeitos em seu psiquismo, já que, como Freud pontuou, a realidade psíquica, aquilo em que o sujeito acredita é tão verdade para ele quanto a realidade objetiva, o real em si.
E veja bem, o fato de o pênis representar completude e força para a civilização que assim o elaborou, não significa necessariamente que o seja, pois a representação é da ordem da linguagem e da simbolização. É uma construção humana que pode ser destruída e reconstruída. Tanto é que, inconscientemente, os homens sabem disso. Eles apreendem a fragilidade dessa construção que a qualquer momento pode ruir.
Sendo assim, se as mulheres sofrem da angústia da castração, por terem no órgão sexual a marca de um corte (um corte que sangra) - de um não ter - os homens sofrem da angústia de ameaça da castração. Eles têm, mas se angustiam porque sabem - um saber inconsciente - que podem perder, ser castrados e, portanto, destituídos de todo poder, força e prestígio a eles conferidos.
Daí porque defendem a masculinidade e tudo aquilo que a ela remete, até mesmo usando de violência, pois ao contrário das mulheres, que nada têm a perder, porque já nascem com a perda, os homens se veem impelidos a sustentar a construção civilizatória que fez deles homens com H.
Os homens é que podem dar às mulheres aquilo que a elas falta. Eles é que podem conferir a elas nome, prestígio, conforto e valor. Com a penetração dão-lhes o pênis que elas não tem. Dão-lhes, também, um filho, afinal de contas, Freud concebeu o filho como um substituto fálico para a mulher.
Como a mulher, em tese, é um ser castrado (faltante) dois são os dispositivos que formam o seu psiquismo, ou seja, que faz que ela se reconheça enquanto sujeito: ter um homem - dando a ela o que ela não tem (penetrando-a) - e ter um filho (já que não tem o pênis). A mulher não tem o que dá poder, mas diz em seu lugar: meu homem, meu marido, meu filho. Já que ela não tem e não ter é da sua condição, só os outros podem dar-lhe algo para que se sinta menos incompleta.
Acontece que o homem também não tem o que dar, já que ele deve estar preocupado em não perder aquilo que imaginariamente tem. Daí, lembro-me da emblemática frase de Lacan: "Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer."
É na infância, na fase do Édipo, que o menino tem de lidar com a própria insuficiência ao perceber que não é suficiente nem para a mãe, pois mamãe gosta de papai, de trabalhar, dos amigos, de sair sozinha. O que ele tem para dar (ele mesmo) não atende nem preenche a incompletude e o desejo da mãe.
O desejo da mulher está para além do homem e do filho, ele é difuso, amplo, não delimitado e inominável. Está para além de. O desejo do homem é ter para dar à mãe e, depois, à mulher. Só que elas não querem apenas aquilo que eles têm para dar. De modo que a castração persiste em ambos.
Essa condição humana faltante marca os dois sexos (com ou sem falo) pois, como cobra correndo atrás do próprio rabo, a única coisa que temos para dar um ao outro é o que não temos, pois amor é o encontro de faltas.
Ter ou não ter? Eis a questão!
A questão é que ninguém tem.
Maravilha de texto 👏🏻👏🏻⚘️😄⚘️😍
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