O gosto de ficar "transando"
A maneira como meu avô ensinava ou aconselhava era do jeito mais leve e divertido possível. Não me lembro de algum momento em que tenha sido autoritário ou ríspido no modo de falar. A começar pelo nome que, carinhosamente, me chamava, e eu, dengosamente, acolhia com o amor que me era destinado.
Se, de algum modo, achasse que havia me excedido, dizia: "Pretinha, você precisa de um filho para criar juízo nessa cabeça, minha filha". Achava engraçado e continuava a viver sem cometer grandes atos de loucura, apenas me divertindo e fazendo coisas comuns a pessoas da minha idade.
O que gostava era de festas, namorar, reunir com os primos, conversar, dançar, dar muitas risadas. Venho de uma família alegre de mãe e de pai. Viver jamais foi penoso ou difícil. Pelo contrário, sempre tivemos motivos de sobra para o riso e as comemorações.
Ao me vestir para ir a um show, perguntava-lhe: Vô, como estou? "Está linda!" Era assim que respondia com um sorriso no rosto e aquele seu jeito bom de ser.
Falava sorrindo, dando gargalhadas, brincando, sem jamais pronunciar algo que ferisse ou demonstrasse mando. Talvez por isso tenha tanta dificuldade em lidar com pessoas autoritárias, que aumentam o tom de voz, ameaçam ou fazem questão de se impor pela posição ou lugar que ocupa. Enfim, não admiro quem ordena. Apenas quem pede e pede por favor!
Era assim que meu avô imprimia suas lembranças em mim. Com o sorriso largo, mesmo nos momentos de correção. "Pretinha, não beba mais isso. Essa bebida come o fígado" - falava a respeito do whisky, que abandonei de vez. Perdi a vontade total de ingeri-la só em sentir o amor com que suas palavras me atingiam.
Ia visitá-lo sempre que podia e jamais deixava de passar seu aniversário junto a ele. Conheço a estrada Brasília-Goiânia de cor, de tanto que ia e voltava, a ponto de se preocupar e me dizer:
"Pretinha, para de ficar transando pra lá e pra cá, minha filha".
Como para de transar vô?
E ríamos.
Só que essa tendência de ficar "transando" ainda agora me ocupa.
Gosto de andar pela cidade, olhar, ver, parar sem me demorar. Acordo, tomo café ali, almoço acolá, sento-me pra ler um livro, dou um passeio só pelo gosto de dirigir em ruas largas, paro numa livraria, tomo um sorvete, busco conhecer um lugar que acaba de ser inaugurado, entro em lojas, transito entre quadras, vou de um canto a outro. Parque, shopping, caminho pelo Eixo Monumental, contemplo o horizonte, os monumentos, as árvores, o céu, o sol. Restaurantes, jantar, música, vinho.
Volto para casa que é o lugar de estar e ficar. Meu lar, minha cama, meu ar. No outro dia, continuo a "transa", como Joana, personagem de Clarice Lispector do romance "Perto do Coração Selvagem", que responde ao questionamento do marido:
"Eu notei, você gosta de andar. Aliás você já gostava antes mesmo de casarmos."
Ela responde: "Sim, muito."
É que "transar pra lá e pra cá" tem algo de mágico. De repente, a gente descobre coisas, lugares, pessoas. E vai vivendo e experimentando a vida, no meio do qual tudo acontece e eu também aconteço.
Ficou ótimo filha 😍👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluir