E eu que pensei ter esgotado o assunto Frida Kahlo.

Quando escrevi o texto "Só por hoje eu quero falar sobre Frida Kahlo", realmente pensei que esse assunto se esgotaria ali.
Claro que estava ciente da possibilidade de ser odiada por não pensar o que muitos pensam a respeito dela, mas não me vejo na obrigação de pensar ou me comportar como ninguém, muito menos como a maioria. Minha liberdade é sagrada e eu a respeito, ainda que ela não agrade aos outros. Não estou aqui para agradar. Desde que eu não seja deliberadamente ofensiva, direi o que penso.

Engraçado é que, inclusive alguns que defendem os direitos da minoria, não aceitaram meu pensamento minoritário no quesito Frida Kahlo.

Quanto a isso, nada posso fazer. Não é um problema meu. Continuo pensando como antes, mais por convicção que por teimosia. Não tenho o menor pudor de mudar opiniões quando noto uma conclusão ou pensamento equivocado, mas nesse caso, sinto muito. O que penso sobre Frida é aquilo mesmo que está escrito no texto.

No dia em que publiquei "Só por hoje eu quero falar sobre Frida Kahlo" , uma leitora me mandou um áudio em que dizia:

"Ana, eu li o texto sobre Frida e discordo de você. Você a colocou numa situação inferior à Clarice Lispector e eu não acho que ela está nessa posição. E outra, você falou que a arte dela é feia. A arte dela não é feia. É viva e tem muitas cores fortes. Há coisas ditas por você que eu já sabia, outras não. Entretanto, o seu texto me fez admirá-la muito mais."

E, concluiu:

"Mas seu texto está muito bom."

Eu quero aqui exercer o meu direito de réplica a essa leitora que chamarei pelas iniciais A.M.B:

A.M.B, primeiro quero agradecê-la pelo tempo que se dedica a ler o que escrevo. Sei que é uma leitora assídua que gosto e respeito.

Quanto a você discordar de mim, eu quero mesmo é que discorde. Se eu defendo a minha liberdade, isso significa que devo defender a sua com igual direito. "Querer-se livre é querer livre também aos outros".

Sim. Eu acho a arte da Clarice Lispector superior por causa da universalidade dos temas por ela tratados, como já disse. Além do mais, você tem que considerar a parcela de parcialidade que tenho ao falar dela, o gosto pessoal. Depois de ler obras de alguns escritores, continuo preferindo Clarice pela forma como ela escreve e compreende o mundo e as pessoas. Também, porque ao ler a obra dela, sinto um impulso a escrever mais e mais.

A menor importância que dou a Frida comparando-a com Clarice, é que Frida centrou em si própria, em sua própria dor, em seu desamor próprio e no amor a Diego Rivera. Frida é como eu, como você, como todos nós que só vemos a nós mesmos, nossas paixões, nossos sofrimentos.
Clarice também falou de si mesma, mas na tentativa de compreender e se colocar no lugar do outro e isso para mim é nobre.
Eu já sou uma Frida autocentrada e tenho essa necessidade de querer e admirar algo que está muito além de mim. É só isso.

Outra coisa, para mim, os quadros dela continuam sendo feios. Eu tenho horror de olhá-los. Você diz que eles são vivos e com muitas cores. Quem disse que algo vivo e com cores não pode ser feio? Ou você acha que todas as pessoas que estão vivas são bonitas só por que vivem? Ou você acha que tudo o que tem cor é bonito?

Só para ilustrar, as duas cores que eu acho mais bonitas são o preto e o branco. Você pode discordar disso também. E o vermelho, que muitos acham que representa a vida, trás para mim o símbolo da morte. Dizem que ele é a cor da paixão, talvez por isso mesmo eu o tenha como representação do oposto da vida (paixão: pathos - patologia - doença). Jamais colocaria uma lingerie vermelha. Eu lá quero matar alguém? Só se for de amor. Bem, mas aí já é história para outros momentos.

O vermelho já não habita meu guarda-roupa há tempos. E você acha que eu vou te convencer a gostar do preto ou do branco? Claro que não.

Quanto ao fato de meu texto ter reforçado sua admiração por ela, fico feliz de ter conseguido isso, ainda que despretensiosamente. Minha intenção foi realmente realçar os traços dela que considero dignos de serem destacados, bem como descartar aqueles que, na minha opinião, não deveriam ser a ela atribuídos.

No mais, quero agradecê-la, leitora, pela nobreza que teve em elogiar o texto, ainda que tenha discordado das ideias nele expostas. Isso é um sinal de maturidade e crescimento. Também quero agradecê-la por ter discordado de mim. Não tenho certeza de nada. As dúvidas me povoam. Ao exercer o ofício de escrever, não pretendo com ele convencer nem a a você nem a ninguém.  Eu quero é dar concretude ao que penso. Escrever é uma fraqueza do espírito que eu venço escrevendo. Quem sabe eu encontre a força necessária para superar essa tentação. Quem sabe um dia eu pinte quadros. Quem sabe um dia eu ame e de tanto amar não fale mais nada.

Por enquanto, vou continuar escrevendo. Por enquanto, continuarei precisando de você para ler o que escrevo, para discordar de mim, para me fazer sentir viva.

A repercussão das minhas opiniões sobre Frida não pararam por aí. Uma outra pessoa ao me encontrar disse:

Ela: "Oi Ana. Tudo bem? Eu ganhei de presente a biografia da Frida".

Eu: Ah é? Que legal! (automaticamente saquei que ela havia lido meu texto).

Ela: Pois é, e o livro é bem espesso, visse?. (Tive dúvidas se o fato de ela ter acrescentado a informação sobre a grossura do livro foi para afastar a possibilidade de eu o pedir emprestado ou para me lembrar que a vida da Frida é muito mais do que as linhas do meu texto).

Respondi: "Legal!"

Ela concluiu: "Frida é muito importante para mim." E se foi parecendo estar chateada.

Olha A.K., eu sei que Frida é importante para você e para muitos outros, visse? E quanto a isso, nada tenho a declarar.
Só espero que você faça muito bom proveito do presente, extraindo dele tudo de maior para te fazer melhor. Que tal me emprestar esse livro? Se não quiser, tudo bem. Já ouvi muitos nãos e nunca desisti de pedir. Fique à vontade para me dar qualquer espécie de resposta. Tenho algo a propor: aceita tomar um cafezinho para me falar a respeito das impressões que teve sobre a biografia dela? Estou aberta a conhecê-las melhor. Tenho muito interesse no mundo do outro para conseguir entender um pouco do meu mundo, do nosso mundo. Se você decidir por emprestar o livro, pode encaminhá-lo a meu endereço: Rua Diego Rivera, Edifício O Veado Ferido, apartamento 502,  Cidade do México.
Em caso de aceitação ao convite para tomar um café, podemos combinar dia e hora. É só me ligar neste número: 0021 - 52 - 745 - 22358115.

Agora, se não quer uma coisa nem outra, passe bem!

Já uma outra pessoa me disse: "Sou seu leitor, entretanto o único texto seu que li foi o da Frida Kahlo. Mas, não concordei com tudo que você disse lá, embora entenda suas colocações."

Sem que ele me apontasse os pontos em que discordou, nos despedimos.

A ele, digo: tudo bem, A.A. Cada um tem suas próprias razões. Até aceito você discordar das minhas ideias, só não aceito você se autointitular meu leitor tendo lido um único texto meu. Oh meu queridinho, faça-me um favorzinho que peço com carinho: leia-me só mais um pouquinho, mas bem devagarzinho que é pra você não se perder no caminho.

Uma leitora, a quem chamarei de M.G.S, disse:

"Preciso te dizer que seu texto sobre Frida está muito bem escrito."

Percebi que ela não queria discutir o conteúdo do texto. Seu elogio foi à forma e eu gostei muito de ter recebido um comentário sobre a minha maneira de escrever. Esforço-me para deixar minhas ideias claras e diretas.

Tenho o mesmo pensamento de Schopenhauer, no sentido de que não é preciso buscar requintamento estilístico cheio de falta de clareza, prolixidade, neologismo e ininteligibilidade.

As pessoas que dedicam uma parte do seu tempo a ler meus textos não podem se deparar com um vocabulário rebuscado e desnecessário, com incoerências linguísticas, muito menos com prolongamentos que não acrescentam em nada.

M.G.S, todo meu esforço em escrever de forma inteligível, transparente e sem rodeios é em respeito a você e a todos os outros leitores. Como nem sempre poderei acariciá-los com as ideias que tenho sobre alguns assuntos, posto que não escrevo com essa finalidade, acaricio-os com a clareza, objetividade e coerência com que escrevo e isso é uma forma de demonstrar o zelo que tenho para com vocês.

Outro leitor, H.M.V, veio ao meu encontro com grande alegria:

"Eu preciso te dar um beijo e um abraço pelo seu texto sobre Frida. Eu adorei. Adorei o pau que você deu nela. A arte dela é feia mesmo; é ridícula; é brega. Só porque transou com o Trotski se sentia "a comunista".  Muito bom, muito bom. Você conseguiu expressar tudo que penso".

Ele me abraçava e me beijava com tanto reconhecimento que cheguei a emudecer. Como se trata de uma pessoa extremamente antenada a questões de arte, política e, principalmente, literatura, eu vi que não estava tão equivocada quanto outros leitores quiseram me fazer acreditar.

Sei que nós dois somos minoritários no que diz respeito ao que pensamos sobre esse assunto, mas assim como nós dois, existem mais.

Sei também que esse leitor, assim como eu, não tem medo de dizer o que pensa, mesmo que contrarie os discursos mais apaixonados.

O exercício da liberdade de pensar e a partir daí, com argumentos, formular, criar e contestar pode ser um dos mais perigosos.  Mais perigoso, ainda, é escrever sem qualquer preocupação em agradar ou desagradar quem quer seja. Escrevo porque há em mim um impulso a esse ofício e ao realizar essa atividade, minhas palavras só passam pelo crivo e pelo filtro de minha própria consciência.

Também não escrevo para ofender, porque se essa fosse a intenção teria o outro como ponto de partida. E meu ponto de partida e chegada sou eu mesma. Obedeço esse comando que diz a mim: escreva assim. Partindo de mim mesma, por vezes, consigo, de uma maneira ou de outra, tocar os outros.

Portanto, leitores, eu os agradeço por igual. Cada uma dessas manifestações a respeito de meu texto sobre Frida é uma oportunidade para que eu reflita e conteste, não a vocês, mas a mim mesma. É também um caminho para que eu desenvolva a minha singularidade e liberdade, quer para mudar opiniões ou permanecer com elas.

Nós crescemos é com essa oportunidade de conexão com o outro, como é dito em Provérbios: "Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia seu companheiro."

O que eu tenho a dizer para vocês é que sejam livres para expressar seus pensamentos, não concordem com tudo que lhes é apresentado, muito menos com tudo que eu lhes apresento, pensem por si próprios, ainda que haja nisso uma grande audácia e um alto risco.

Kierkegaard definiu o homem "culturalmente normal" como sendo aquele que não ousa defender seus próprios significados porque isso significa um perigo e uma exposição grandes demais para ele.

Esse homem seria aquele que não é ele mesmo, que vive encaixado nos outros, que pensa de um  modo ou de outro para adaptar-se a um grupo ou à maioria.

É por defender a minha própria liberdade, que também defenderei a de vocês me contestarem.

Sintam-se à vontade para isso, porque eu continuarei me sentido à vontade para discordar de vocês. Quer vocês queiram, quer não.














Comentários

  1. A beleza do objeto artístico vai além da aparência agradável aos olhos, então pode ser bonito para alguns, mas sem importância nenhuma para os mesmos, enquanto algo que pode ser considerado feio, mas, ao mesmo tempo, ser marcante. A arte de Frida para mim é assim, sem precisa ser bonita, não precisar ser agradável e acho que sempre foi a intenção dela construir sua arte visual dessa forma. Quanto à vida de Frida Kahlo, adoro essas contradições de opiniões, o que, entendo, faz dela uma personagem mais interessante e, ao meu ver, ainda mais importante, caso contrário, não importaria ler e escrever sobre ela, menos ainda debater.

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  2. Eu sabia que ia ser um assunto que ia dar o que falar, pois ela inspira muitas paixões. E onde há paixão, há fogo, há inconsciência, há devaneios. A arte dela é o que é. Vai tocar alguns e outros não. E a vida dela foi intensa. Mas, para mim, suportar a dor física e de um amor conturbado foi a maior prova de sua força.

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