Sentimentalidades, de Carlos R.

Estava sentada à mesa, tomando meu café de todos os dias, imersa numa leitura envolvente, cuja história revelava mais a mim que ao próprio escritor e eis que olho para a mesa ao lado, onde estavam postas duas caixas cheias de livros que, de imediato, chamaram minha atenção.

Olho o livro que tenho e leio, mas já seduzida por aqueles que avisto ao lado, mesmo sem saber o assunto que abordam. Mas, são livros e isso é suficiente para que eu queira tê-los em mãos.
Olhei e os quis todos para mim, desejei do fundo da alma tê-los em minha posse, sair dali mesmo com todos eles dentro de mim.
De repente, a proprietária da Blend Café e Livraria aproxima-se e me apresenta a pessoa que escreveu aqueles livros, comunicando, também, sobre o lançamento da obra no dia seguinte, naquele mesmo lugar.
Convidei-o à mesa para me acompanhar num café e começamos a conversar sobre o assunto que nos unia naquele momento: os livros.

Carlos R. me contou que seu primeiro interesse foi a fotografia. Entretanto, como se a fotografia não bastasse para expressar todos os sentimentos que existiam dentro dele, resolveu escrever poesias e as divulgava em seu blog pessoal.
Depois, surgiu a ideia de reunir algumas de suas poesias num livro, o qual intitulou Sentimentalidades. Eram os exemplares desse livro que estavam naquelas duas caixas.

Carlos R. deixa transparecer muita sensibilidade. A voz é vagarosa e suave, seu jeito é simples e parece carregar no olhar alegrias, tristezas, saudades, medos, raivas, angústias e mais um turbilhão de sentimentos. Sua presença é leve e discreta, mas, mais tarde, descubro que sua poesia é arrebatadora.

Conversamos sobre essa coisa de escrever, sobre a vaidade, sobre o ego, o medo e as inseguranças daquele que se põe a revelar sua arte.
Falamos que quem escreve desnuda sua alma aos outros, se revela, se mostra, se entrega.
Falamos que o artista tem a vaidade de dividir com o outro aquilo que ele sabe ser grande dentro de si.

Eu disse a ele que luto todos os dias contra a minha vaidade. Ele respondeu: "Aceite. O ego faz parte de nós.Você nem é tão vaidosa assim." Aí eu falei: "é porque ainda estou insegura. Você pode ler meus textos e me dizer se são bons?"
Ele respondeu: "Seus textos saíram de você, é o que você sente, é a sua verdade. Se eles saíram de você, eles são bons."

Sim. Carlos tinha razão. Eu sei que meus textos são bons. Não posso me deixar levar pela falsa modéstia que é muito pior que a vaidade. Aceito que há coisas que saem de mim que são boas. Aceito minha grandeza.

Carlos também se reconheceu vaidoso e, naquele momento, eu percebi que não estava sozinha no mundo. Eu também tenho minhas sentimentalidades e não posso recusá-las.

Fui a primeira a comprar o seu livro, como se esse lugar desse-me o direito de ler primeiro e de sentir, antes de qualquer outro, todas as palavras e os sentimentos que estavam expressos ali. A vaidade de ser a primeira apoderou-se de mim e, seguindo os passos de Carlos, eu me deixei ser tomada por ela.
Vaidosa, saí com o livro nas mãos, radiante e plena como quem vai ao encontro de um amante.

Na capa do livro tem uma porta verde como se fosse um convite à esperança. Esperança de encontrar algo ou mesmo se perder.
Não bati na porta. Entrei com a cara e a meia coragem de quem sabe que percorrerá caminhos até então desconhecidos ou ainda não revelados.

O primeiro poema recebe, tal qual o livro, o título "Sentimentalidades". Quando termino de lê-lo, não dou seguimento ao próximo. Paro, respiro profundamente, tomo uma água e dou uma volta. Preciso digerir o que li.
O poema Sentimentalidades revela a importância que a palavra e a poesia representam para o que as escreve. Ele não diz que vamos encontrá-lo nessas palavras, mas com um tom sugestivo, provoca: "Quem sabe nelas vocês me encontrem." É uma hipótese, há dúvida e já começo daí a sentir algo incerto pairando no ar.
A única dúvida que não resta é de que são suas sentimentalidades, traduzidas em palavras, que faz  seu coração de poeta bater mais forte, renascer a cada dia, transbordar de emoção.
São os sentimentos que o move. Mas, são as palavras a traduzirem esses sentimentos que dão forma à sua arte.

No poema "Filhos", fico à espera de que Carlos revele algo sobre seus descendentes. Contudo, percebo que ele se considera "pai dos versos" que cria.
Em "Filhos", o poeta escreve deixando transparecer uma relação quase orgásmica com a palavra. Ele transa com a palavra e gera poesias, que são seus filhos. Os filhos são para o mundo. Ele sabe que eles estão soltos, não há como prendê-los, eles pertencerão a outros como pertencem agora a mim, que os interpreto como quero, ao meu bel-prazer. Ah Carlos, desista! Nem você nem ninguém poderá me impedir que eu me apodere de seus filhos. Um dia eles foram seus, hoje são meus.
Para que tanto egoísmo? "a ilusão de possuir o que se criou é a pior das armadilhas", foi você quem o disse. Solte suas amarras, Carlos. Você agora viverá para sempre, em mim, em todos.

"Minha Poesia", poema em que sinto muita paixão florescer. A razão não existe. Só há o ser amado. A vida é para ele. A Literatura é para ele. A ambição é toda por ele. Ah, a paixão. Apaixonei-me só em ler.

O que um ser humano mais deseja? Carlos responde: o amor.
Em "Hoje não irei mais sucumbir", revela que escreve para tentar enfeitar o mundo. Ele nos presenteia com sua poesia. Em troca quer o amor de quem o lê. Ele não só quer, precisa.
Mas, avisa não querer cobranças. Amemos-o por sua arte, mas deixemos-o livre:

"Contigo não preciso de cordão pra ser junto.
Desejo algumas vezes andar ao seu lado,
sem ordenar e nem ser ordenado,
apenas nesta vida por você amado."

O recado está dado. Amor só é amor em liberdade, mas a liberdade só faz sentido se tivermos a quem amar.

E, não se engane, amor é para nos fazer seguir em frente, enfeitar a vida da gente, ainda que não seja coerente (Poema Quando quero você).

Há os que temem o amor? Tudo induz que sim. Em "Vazio", o poeta parece ter perdido amores por medo de suas consequências. A tristeza é uma delas, mas não amar não seria igualmente triste?
Quem acudirá os que fogem do amor? Deus? Pois então, aumente sua fé para não cair no vazio por não ter nem um, nem outro.

Se já tens fé, o que pedes para Deus quando ora? Em "Quando você ora", descubro que não sei pedir.

Em "Medusa", Carlos cita Cazuza, o exagerado. Há insanidade, ferocidade, posse. Paixão é vício, doença, pecado e falsa pertença.
Paixão não vale a pena se não depena. Que pena!

Por que o poema "O final?" não foi para o final? Porque O final? não é afirmação. É apenas um questionamento. Se a morte ainda não chegou, há esperança. Então fique de pé, não caia de joelhos, não admita uma vida tão pouca. É rebelião que quer? Então vire porra louca, mas não desista dessa vida que é tão boa.

Também já criei algumas relações daquelas descritas em "Laços". Casei sem botar aliança, com base apenas na confiança. Mas, se meu amor disser que vai viajar, fecho as portas e não deixo mais ele entrar.

Ao ler "Morte e Vida", questiono-me: como estou vivendo? Estou apressada? Presa ao passado? ou Pouco afortunada?
Quero a calma, andar devagar, viver no presente; as coisas simples quero contemplar; não quero a morte; e esse poema ter chegado até mim é sinal que tenho sorte.

O poema "Louca" me diz que  sou louca se ando para trás. Mas, não quero ser louca nem me prender a fracassos. Fracassos podem ser os passos a te levar para a frente. O fracasso só é fracasso quando se apodera de sua mente.

Quando li "Lembranças", lembrei do meu irmão. Viveu comigo e agora não. Eu podia tanto ter convivido melhor com ele, mas só briguei e ofendi. Tem nada não. Também aprendi. Mas, não gosto de lembranças. Elas podem pesar o coração. Gostei do poema, mas não quero ler ele mais não.

Quem será a "Musa" desse poeta que pelo poema não consegui decifrar? Quem deu ao mundo o artista que ele é? De uma coisa eu sei, só pode ser coisa de mulher.

O que é vida, senão "Antagonismos"? Esse poema me pegou por demais. Ele fala da solidão, do estranhamento, do julgamento, da arte, do vazio, do feio, do orgulho. Ele fala de tudo? Fala da morte, fala da vida e das falsas alegrias. Ele fala de mim e de você. Vale muito a pena ler.

Tem um poema que se chama "Pássaro" e por mais que este voe alto, um dia há de cair. Mas não se importe com isso, voe mais alto, voe o infinito. Afinal, todos um dia havemos também de ir.

Gostei tanto do poema "Encontros", porque ele trouxe tanto conforto a mim, quando disse assim:

"aceitamos
a vida é assim
sem realizar todos os desejos
de caminhos difíceis
com espinhos
alguns envenenados de amarguras
dessas que nos fazem vestir armaduras
que nos escondem na clausura com mil fechaduras"

A vida é assim... A vida é assim. Vamos parar de mimimi?

Não posso falar de todos os poemas, há muitos, cada um com a sua beleza. O último se chama "Meus quereres". Nele, o poeta diz o que quer. Ele quer mesmo é amor e amar. O poeta é igual a mim, igual a você. Queremos, mas fazemos por merecer?

Será que estamos fechando todas as portas?
Pare e pense um pouco.
Não sejamos loucos.
Só há redenção no amor.
Nem tudo acabou.

Ainda há esperança. Eu arrombei a porta da entrada do livro e as sentimentalidades tomaram conta de mim.

Eu também roubei todos os filhos do Carlos e agora estou assim.

Assim...

Sem saber o que faço de mim.













Comentários

  1. Perfeito. Me emocionei. Parabéns ao Carlos pelo Livro, e a você por demostrar tao bem o que vai nas entrelinhas. Sucesso e o que desejo desde já ao escritor do amor. Rosaine

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    1. Rosaine, obrigada. A poesia do Carlos me deu inspiração para produzir esse texto. Grata a ele e a você pela dedicação do seu tempo à leitura. Bjs.

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  2. Palavras de amor para as minhas palavras que buscam amor.

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    1. É verdade. Amor é o que todos buscamos, ainda quando negamos. Bjs.

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  3. Magnífica resenha. Com água na boca pra ler o livro

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    1. Obrigada. O livro é uma delícia. Fiquei encantada e totalmente inspirada. Bjs.

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  4. Nossa Mama, que bacana esse livro, poesias são janelas abertas para coração, amei demais, interessante também sobre o que autor fala para você, que se foi você que fez lógico que ficou bom, não precisa questionar ou ter inseguranças.

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    1. É verdade Baby. O que ele me falou foi muito importante porque me deu uma certa segurança. Isso serve para todos nós. Você é um leitor queridinho do meu coração. Bjs. Te amo.

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  5. Parabéns pela obra , em breve vou conhece-la também

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    1. Obrigada. Espero que tenha degustado a obra. Esse livro do Carlos R. é muito bonito e profundo. Bjs.

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  6. Parabéns, minha querida irmã.
    Suas resenhas tem sucesso!!
    Como havia dito; vc é boa no que faz!!Rs.

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    1. Obrigada, Osmar. Muito bom ter esse reconhecimento partindo de você. E é um prazer tê-lo como leitor. Te amo. Bjos.

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