Só por hoje eu quero falar sobre Frida Kahlo
Há algum tempo venho pensando no fenômeno em que se tornou Frida Kahlo e, diante desse pensamento, resolvi vasculhar um pouco sobre a vida dessa mulher que tanto inspira emoções.
Por todos os lados é possível ver manifestações enaltecendo essa artista, quer pelos seus quadros, quer pelas suas ideias feministas que até hoje não consegui conceber.
Frida está presente em quadros, livros, filmes, documentários e até cravada nos corpos daqueles que a admiram.
Esses dias fui à uma feira procurar um quadro da Clarice Lispector e a vendedora me insultou: "Não temos o da Clarice, não serve o da Frida?" Pensei logo: "Mas o que tem uma coisa a ver com outra?" A única coisa que une essas duas mulheres é o fato de serem mulheres. Afora isso, mais nada.
Respondi com uma tal severidade: "Não, não serve, pois além de não ter a beleza que eu preciso para enfeitar a minha sala, Frida não dispôs em sua obra a respeito da universalidade que tanto caracteriza a obra de Clarice Lispector."
Não sei se a vendedora entendeu o sentido de minhas palavras, mas provavelmente sentiu a minha irritação. A questão é que fui embora sem o quadro da Clarice Lispector, mas com Frida Kahlo na cabeça.
O que essa mulher tem para invadir todos os lugares de forma tão epidêmica? E em que mundo eu estava vivendo para não me deixar também ser por ela invadida?Qual a importância dessa mulher no contexto político, social, econômico ou artístico? Frida passou a ser uma ideia fixa em minha cabeça. Eu precisava decifrar seus enigmas. Eu necessitava conhecê-la.
Pesquisei sobre a sua vida, assisti filmes e documentários, li trechos de suas biografias. Também li alguns de seus escritos, que por sinal são cheios de intensidade. Ela era intensa, forte, uma mulher cheia de garra e vontade de viver apesar de...
Nascida no México, teve quatro irmãs, mas embora rodeada por mulheres, preferia a proximidade de um homem - o pai, sua primeira referência masculina.
Frida chegou, inclusive, a usar, na mocidade, roupas parecidas com as do pai de tanto que dava importância a figura do homem em sua vida.
Ainda criança, contraiu poliomielite, doença que lhe rendeu alguns problemas de saúde, agravados pelo acidente que sofreu quando trafegava de bonde pelas ruas do México.
A limitação física a ela imposta por esse acidente, não a impediu de viver uma vida amorosa intensa nem limitou o desenvolvimento de sua arte. Frida teve diversas fraturas no corpo, ficou entre a vida e a morte, mas entre esta e aquela, escolheu pela vida. Sim. Escolheu. Viveu porque assim o quis, apesar das dores do corpo e da alma, provocadas pelo acidente e por Diego Rivera. Este, que também era pintor, talvez tenha sido (e eu creio que fora) a pessoa a quem ela mais amou, mais que a si própria: "te amo mais do que minha própria pele."
Esse amor foi marcado por sofrimentos, angústias e contradições. Foi um amor conturbado, onde as traições, o desprezo e a submissão fizeram de Frida apenas mais uma mulher, talvez a mais submissa a um homem de que tive notícias.
Diego Rivera era a feiura em pessoa. Sua estranheza era de causar terror, pelo menos a mim, mas não à Frida, que o amara irracionalmente e loucamente como qualquer ser que ama.
Falo da feiura e da estranheza de Diego não para reforçá-las, mas tão somente para entenderem que por trás da superfície, daquilo que vemos, há algo mais encantador e, portanto, oculto aos olhos de quem enxerga pouco.
Provavelmente, Frida percebera nele a sensibilidade do artista por detrás daquela figura grotesca de homem. O amor pode ser cego, surdo e mudo. Mas o amor não deixa passar as sutilezas e só nelas se prende.
"Diego está na minha urina, na minha boca, no meu coração, na minha loucura, no meu sono, nas paisagens, na comida, no metal, na doença, na imaginação." Diego: Frida o respirava, o comia, o bebia, o fumava e o alargava. Diego era a sua largueza, motivo maior de suas alegrias, de suas tristezas e de sua obra.
Frida nunca lutou por causas sociais; não se envolveu com política. Provavelmente, seus únicos movimentos políticos foram dentre as pernas do marxista León Trotski, de quem fora amante.
Frida não militou a favor das mulheres, não lutou por elas, não se autointitulou feminista, não aderiu a quaisquer causas.
Isso não diminuiu a importância da sua vida, nem de sua obra. Entretanto, não podemos usá-la como símbolo de quaisquer movimentos.
Seus quadros são auto-retratos que pintam sua própria dor e seu próprio sofrimento. A dor de uma mulher acidentada; uma mulher traída pelo marido com a irmã que mais gostava; uma mulher que queria ser mãe, mas tinha abortos espontâneos; uma mulher que se submetia às vontades e ao capricho de um homem que dizia amá-la, mas que agia na contramão das palavras.
Dizem por aí que Frida era bissexual e mantinha, ainda casada, casos extraconjugais com outras mulheres. Ora bolas, Diego permitia que ela tivesse esses casos talvez para compensar os dele. Mas a ela era permitido apenas casos com mulheres, não com homens. E ela assim obedecia. Aí é fácil. Quando pergunto ao meu marido, por brincadeira, se ele admitiria que eu tivesse caso com mulheres, ele me responde: "é claro, eu entraria no meio de vocês, inclusive." Damos gargalhadas diante dessa resposta. E eu entendo absolutamente essa "permissão".
Mas daí a dizer que ela era bissexual por opção? Ah não. Me poupe. Era por imposição mesmo. Apenas uma das muitas a que ela se curvava.
Há outras, entretanto enfatizarei mais uma: ao voltar de um término, Diego impôs a condição de que tinham que morar em casas separadas. Portanto, fizeram duas casas, uma ao lado da outra, ligadas por uma espécie de "ponte" que dava acesso à casa um do outro. Entretanto, Frida era obrigada, pela proximidade das casas, a vê-lo encontrar com outras mulheres e sofria, às vezes em silêncio, outras vezes ao grito.
Para mim, Frida representa apenas um exemplo de mulher que viveu apesar das muitas dores, buscando expressá-las por meio de sua arte feia, horrorosa, contundente, mas extremamente expressiva. Sabemos que a arte não tem que ser bela. Ela tem que retratar a realidade. E a realidade de Frida não era bonita. Aí está o seu grande mérito: fazer arte, pintar seu sofrimento em vez de sucumbir a ele.
Frida não pintou uma sociedade melhor, nem um mundo em que as mulheres pudessem viver sem submissões, nem desenvolveu teorias sociais ou políticas.
Frida foi apenas mais uma mulher que se vê diante de acontecimentos chocantes que mudam o curso de uma vida, como o foi seu acidente, e mesmo assim decide continuar a viver, com garra e força.
Frida foi apenas mais uma mulher que, como muitas de nós, se apaixonou por um homem e escolheu viver por ele e para ele, com todas as imposições e limitações, fazendo dele o motivo de sua vida e de sua obra.
Sua obra não tem caráter universal. Ela não lutou por questões coletivas. Ela lutou por Diego Rivera até o fim. Essa era a sua causa maior. A causa de sua obra, a causa de sua vida e de sua morte.
Não quero com isso diminuir sua importância aos que a ela dão importância. Quero apenas situá-la no lugar que lhe cabe, pois aprendi que devemos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Portanto, fiz esse texto apenas para também dar a Frida o que é de Frida.
E Viva Frida...
Mas não nos esqueçamos da Clarice Lispector.
Grande Frida, engraçado, mesmo com seus "utensílios" que a faria limitar continuou fazendo tudo que tinha direito!! Amei o texto 💓
ResponderExcluirE realmente rs Jamais esqueçamos da Clarice.
Ela tem seus méritos. Haha. Mas, não esqueçamos nossa Clarice, rsrs. Bjos.
ExcluirFrida Kahlo, retrata a vida de muitas mulheres. Amam homens que não as valoriza e se entregam de corpo e alma a eles, mas não recebem nem a metade desse "amor".. ela foi submissa até no ponto de Diego falar para ela ter relações com outras mulheres. Na minha humilde opinião Frida mendigou a felicidade. Viveu por Diego e não por ela. Mesmo tendo relacionamento com um cônjuge temos sonhos, projetos e Frida Kahlo tinha Diego.
ResponderExcluirLorrane, fico muito feliz em tê-la com leitora. Concordo com você. Frida tinha apenas Diego. Beijos.
ExcluirGuardo para mim a força de Frida, que fisicamente limitada, viveu intensamente, permitiu amar e criar ... e sofrer... por amor.
ResponderExcluirObrigada, Aninha, por mais essa oportunidade.
Claudinha, você tem razão. Ela tinha uma força incrível. Obrigada por ser uma leitora tão carinhosa. Beijos.
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